...no jardim para o qual dava a janela do meu quarto de criança havia uma trepadeira que, em cada primavera, me deliciava com os seus perfumados cachos de rosas - sem espinhos.
segunda-feira, janeiro 30, 2006
Escadas
Escadas de um passado remoto, degraus que já não consegues subir...
Escadas que são caminhos na montanha, degraus que têm sabor de aventura...
Escadas que te levam a uma casa, degraus que respiram tranquilidade...
Escadas que tens dentro de casa, escadas que sobes e desces, sem consciência delas, como se não fossem feitas de degraus...
Escadas que podem levar-te mar dentro, degraus estranhamente horizontais que, por vezes, ousas experimentar...
Escadas antigas, degraus que sobes a correr, na incessante procura da memória de outros...
Escadas que vão sempre dar a outras escadas, incontáveis degraus que sobes com ansiedade, para chegar cada vez mais alto...
Escadas que, finda a loucura da subida, acabam no nada..., os degraus que, acreditas, te levam ao céu.
The Doors of Perception - Heaven and Hell
If consciousness survives bodily death, it survives, presumably, on every mental level - on the level of mystic experience, on the level of blissful visionary experience, on the level of infernal visionary experience, and on the level of everyday individual existence." [...]
domingo, janeiro 29, 2006
Apontamento (I)
Até que tropece e desapareça
na neve
segunda-feira, janeiro 23, 2006
Bosque dos Desejos
embrenhar-se a gente no misterioso bosque,
povoado de sonhos e desejos indizíveis;
perder-se nos imaginários ziguezagues do labiríntico arvoredo
e vaguear, sem destino nem rota,
numa busca incessante de aventura
ao encontro de míticos dragões;
verdes e pequenos duendes, ocultos na folhagem
e fadas: cintilantes, sibilantes, improváveis.
Amor sem Tréguas
[...]"Il n'y a pas de vacances à l'amour, dit-il, çá n'existe pas.
L'amour, il faut le vivre complétemment avec son ennui et tout, il n'y a pas de vacances à ça.
Il parlait sans la regarder, face au fleuve.
Et c'est ça l'amour. S'y soustraire, on ne peut pas."[...]
Marguerite Duras, in "Les Petits Chevaux de Tarquinia"
sexta-feira, janeiro 20, 2006
Os Paços de Dona Leonor
Juliet's Balcony
"Two households, both alike in dignity,
In fair Verona, where we lay our scene,
From ancient grudge break to new mutiny,
Where civil blood makes civil hands unclean.
From forth the fatal loins of these two foes
A pair of star-cross´d lovers take their life;
whose misadventur´d piteous overthrouws
Doth with their death bury, their parent's strife.
[...]
"The sun for sorrow will not show his head.
Go hence, to have more talk of these sad things.
Some shall be pardon'd and some punished.
For never was a story of more woe
Than this of Juliet and her Romeo."
from "Romeo and Juliet", by William Shakespeare
Como é sobejamente sabido, foi Verona, e não Peniche, que master Shakespeare escolheu para palco desta obra.
Poderiam ter sido Leonor e Rodrigo o par imortalizado na literatura, pelas semelhanças que a lenda de Dona Leonor, presença viva no imaginário das gentes de Peniche, apresenta relativamente à tragédia do mestre. Mariano Calado, no seu livro "Peniche na História e na Lenda", narra esta história de amor trágico conforme passo a transcrever:
"Conta-se que, no primeiro quartel do Séc. XVI, existiam em Peniche dois fidalgos que, reciprocamente, se odiavam: ódios velhos, nascidos porventura nos longos e temerosos cruzeiros das descobertas, de onde haviam trazido histórias fantásticas para contar e riquezas de sobejo para desbravar o torrão natal. E nada no mundo os fazia aproximar e esquecer a sua malquerença.
Quis Deus, todavia, que Rodrigo, filho de um deles, se enamorasse loucamente de Leonor, a bonita e prendada filha do outro dos fidalgos desavindos.
Sabedores do ódio profundo que separava seus pais, não ousavam os jovens enamorados revelar o doce afecto que os unia, não podendo, porém, evitar que transbordasse o alvoroço de amor que os aproximava. Descobertos então os sentimentos de ambos, e sem que nada houvesse a demovê-lo da sua decisão, resolveu o pai de Rodrigo degredar seu filho para a Berlenga, fazendo-o ingressar, como noviço, no Mosteiro da Misericórdia, de frades jerónimos, ali existente, a fim de que ele esquecesse tão indesejável e impossível união.
Obediente a seu pai, partiu Rodrigo para a Berlenga, com a alma cheia de revolta e de ansiedade.
Mas o amor é fértil em imaginação e, com a ajuda de Gil, um pescador seu amigo, fazia-se o jovem transportar num pequeno batel, todas as noites, até uma gruta situada nas penedias da costa meridional de Peniche, onde Leonor ansiosamente o aguardava assinalando a sua presença com a luz de uma pequena lanterna.
Por muitas e longas noites se repetiram os encontros dos dois jovens apaixonados. Mas, certa vez, descobertas as surtidas de Leonor, viu-se a donzela perseguida pelos servos de seu pai e, na precipitação da fuga, saltando de rochedo em rochedo, , resvalou sobre os seixos da encosta. E, na negrura da noite, tombou um grito de morte do alto da penedia, afogando-se na escuridão do mar que, em baixo, ciciava segredos e saudades.
Entretanto, para mais uma noite de amoroso convívio, chegou Rodrigo à vista da gruta. Não enxergando o sinal do costume, começou o jovem de sentir a alma repassada de surpresa e receio. Subiu a encosta, apressado, chamando pela bem-amada. Só o eco e o marulho das ondas lhe responderam. Tentou penetrar na noite, temendo alguma desgraça. Nada. Até que se lhe retalhou o coração de angústia ao ver a boiar em baixo, inútil, o manto branco da sua enamorada. Um grito de dor cresceu da sua alma ferida, enchendo de tragédia os recônditos mais negros dos rochedos. E, na esperança de salvar a sua amada, lançou-se Rodrigo do alto das arribas ao encontro da noiva que perdera...
Dias depois, nas areias do carreiro vizinho, alguém encontrou o corpo de Leonor, embalado docemente pelas ondas, os lábios iluminados por um sorriso triste e imaculado, constando que, piedosamente, o fizeram depositar no adro da capela de Santa Ana.
Quanto ao corpo do desventurado moço, diz também a tradição que foi encontrado na costa do norte, junto a uma rocha a que se deu o nome de Laje de Frei Rodrigo.
E ainda hoje, quem souber entender os murmúrios do mar e passear os olhos pela beleza que se distende por toda a costa sul de Peniche, pressentirá a doçura inefável de um mistério cheio de encantamento e poesia: talhada romanticamente nas arribas, a gruta que foi teatro de tão trágico amor e a que o povo, religiosamente, chama Paços de Dona Leonor, lá está, altiva e serena, a aguardar, numa renovada esperança de juventude, o regresso feliz dos dois enamorados..."
segunda-feira, janeiro 16, 2006
Salvação
Uma fina película de gelo
cobre o manto de água que teima em correr
pela montanha,
seguindo o seu curso.
Folhas caídas no riacho...
prisioneiras do gelo
até que o sol as liberte.
Aconchego a gola do casaco ao peito.
Puxo o capuz para evitar que o sopro de ar frio me arrefeça o rosto.
Sento-me numa pedra
e entro em contemplação.
Penso em ti.
Na tua presença mágica:
o plácido lago azul dos teus olhos;
a música doce e quente da tua voz;
o calor do teu abraço forte;
o fogo de um beijo teu.
já mais não sou que uma folha
à espera da tua chegada,
secretamente inquieta,
alvoroçada,
ansiosapara voltar a ser livre.
O Pescador que perdeu as Graças do Mar
que, tal como o Marinheiro de Mishima,
perdeu as Graças do Mar...
"Largando rolos de fumo negro, um barquinho passava no horizonte.
Ele podia ter estado a bordo daquele navio.
Eu podia ter sido um homem que partiu para sempre.
Tinha-se cansado e agora, lentamente, começava a acordar para a imensidão do que abandonara.
As escuras paixões das marés, o rugido duma onda, a avalancha das vagas quebrando-se contra um recife...
uma glória desconhecida chamando-o incessantemente da negrura do alto mar, era a glória confundindo-se na morte e numa mulher, a glória de fazer do seu destino uma coisa especial, uma coisa rara."
[...]
sexta-feira, janeiro 13, 2006
Berlenga - a ilha do sonho
As canhoneiras descansam. Pelos adarves já não se passeiam as sentinelas, atentas aos assaltos da pirataria. As casamatas são acolhedoras. Os terraços , abertos ao sol e ao horizonte...
Sob o Forte de S. João Baptista, uma pequenina jóia enche-nos a alma de sonho: é a Gruta Azul, pequena reentrância onde mal cabe a lancha que nos transporta, surpreendente recanto de paraíso onde o azul tem mais cor, onde tudo é azul: a água, a rocha, o céu que se reflecte, as mãos curiosas que se mergulha na toalha líquida em busca de um segredo que se não pode desvendar, porque impossível, porque pertença de um mundo só beleza diáfana...
A Gruta da Lagosteira é apertada e escura como breu. Mas a água brilha, pintalgando em fantasia o fundo assombroso, verde, azul e doirado, das areias, dos seixos e das algas. Penetramos, afoitos, curiosos, sedentos de descobrir o mistério profundo deste abrigo de fantasmas. O fim parece não surgir: é tudo escuro - por cima, à volta... só o fundo se exibe numa claridade difusa, arrastada pelas profundezas desde a entrada da caverna. E lá adiante há um ponto vermelho, um olho luminoso que nos espreita de qualquer abertura, que se esconde e atravessa o dorso rijo da Ilha, como veia sanguínea de luz, divina transparência a criar um reflexo de encantamento e magia. Nem os remos se ouvem, receosos de negar ao silêncio a sua eloquência.
Mas o belo ainda se não acabou neste paraíso de mar, perdido num fascínio verde-azul...
[...]
A Ilha, agora, abre-se, desvenda-se, rasga-se profundamente no ventre fértil como se se preparasse para a hora de um parto gigantesco, abrindo nas suas entranhas miraculadas o Túnel do Furado.
A lancha baila de manso sobre as águas suavemente onduladas, sulcando uma floresta aquática de surpreendente vegetação. As algas acastanhadas, escuras, executam bailados estranhos, dantescos, descobrindo a espaços a areia dourada do fundo pedregoso, e como que nos oferecendo os braços enormes, coleantes, monstruosos, para um outro bailado. É uma beleza que arrepia, de tão selvática e tão simples, de tão encantadora poesia e tão sortílegos contrastes. A rocha, junto às águas, baba-se, indolente; e, a meia altura do paredão deixa entrever fosforescências que atravessam a Ilha e penetram, por escaninhos estreitos e abissais, até chegarem, difusos, vaporosos, misturados de névoa...
[...]
Vamos ao encontro da face oeste da Ilha, mais batida de mar. Não entramos nas furnas e canais com o sossego que a orla oriental nos permite... Mas que beleza ainda! Que românticas e maravilhosas perspectivas!...
O Cavalete , outro pequeno ilhéu, continua o roteiro de beleza , embora a luz e a cor já sejam outras, embebidas de sol. E sentimo-nos impelidos a continuar, como se um íman misterioso nos atraísse poderosamente.
Ali, ao fundo, uma pequena baía e um buraco negro, como boca aberta na rocha: é a gruta de Flandres. Há qualquer coisa de fantástico, de grande e impossível de descrever. Tentamos falar e os lábios , entreabertos de maravilha, não reagem, e caminhamos silenciosamente , absortos no claro-escuro do ambiente de sortilégio, no mágico silêncio apenas quebrado pelo chapinhar brando dos remos.
A noite cai, sossegada, num beijo prateado de nostalgia. A lua banha as encostas, recortando sombras e fantasmas pelas arribas. O farol risca, a espaços certos, o horizonte , como aviso aos mareantes. As pardelas rasgam o silêncio, quebrado apenas pelo açoitar sereno das ondas, com os seus pios solitários e supersticiosos.
E para além da escuridão, apenas entrecortada pela luz branca do farol, que teima em rodar iluminando o horizonte, para além da saudade que nos arrasa já, bem fundo, a alma enamorada, adivinhamos os contornos vagos da Ilha, das grutas recortadas em arabescos irreais, das alga irrequietas nas águas translúcidas.
Adivinhamos, pressentimos, palpamos misteriosamente toda a beleza, todo o sortilégio da Berlenga - a ilha do sonho..."
Notas:
1) Textos de Mariano Calado, extraídos do livro "Peniche na História e na Lenda", 4ª edição, 1991
2) Fotografias a preto e branco tiradas pelo meu pai, nos anos cinquenta
segunda-feira, janeiro 09, 2006
Caminho
a não ser o crepúsculo (1)
Se meteres por esse trilho e, durante o percurso, fores sorvendo os cheiros, as cores, os sons que esta vereda te oferece, nem darás pelo muito que andaste e será em êxtase que te vais encontrar no sopé da montanha multicor. Verás muitas oliveiras e choupos e, na encosta, algumas casas (poucas) todas com telhas vermelho-vivo. Da chaminé de uma das casas verás sair espirais de fumo que vão dissolver-se mais acima, entre o cume do monte e as nuvens que o cobrem.
Então saberás que alcançaste a casa da montanha e serás bem recebido, com todos os presentes a que um caminheiro pode aspirar. Lá dentro, sentado à lareira, com o olhar perdido no bailado das labaredas e a tranquilidade de quem poderia esperar a vida toda, um amigo sente que chegaste.
As mãos no lume
... e na parede
a sombra do meu amigo(1)
(1) Matsuo Bashô in "O Gosto Solitário do Orvalho"
quarta-feira, janeiro 04, 2006
O acto da escrita
Gosto das palavras. Gosto das palavras escritas. Gosto de um texto escrito com palavras. Primeiro, as letras, depois, as palavras formadas pelas letras e, por último, o texto acabado, construído com palavras, que começaram por não ser mais do que objectos dançando, de forma aleatória, na mente labiríntica do escritor.
A Casa da Montanha
Nota: só após publicação verifiquei que a data do meu post é anterior à do mencionado poema do Vasco. A explicação é simples, e possivelmente óbvia: a imagem tinha sido colocada em draft no dia 4 de Janeiro mas foi no dia 5 que decidi escrever sobre ela. Nesse momento aconteceu o que contei acima...
domingo, janeiro 01, 2006
Votos de Bom Ano Novo e Pausa para Publicidade
Se é um produtor ou realizador de cinema com talento e ambição mas não encontra um argumento à altura do seu filme, pode parar de procurar, respirar fundo, e descansar.
Nem mais: a autora deste blog terminou, no último dia do ano que se foi, um guião para uma longa-metragem de qualidade, modéstia à parte. Se, até lá, este anúncio não for lido pelo tal produtor ou realizador de mão-cheia, (que, quem sabe, vagueia erraticamente pela blogoesfera à procura de um argumentista que lhe encha as medidas?!), o dito guião (pronto a ser usado) irá, quase inevitavelmente, parar às mãos de um júri de selecção do ICAM, no próximo concurso para escrita de argumentos.
Não perca esta oportunidade!... Antecipe-se!!!