segunda-feira, janeiro 30, 2006

Escadas


Escadas de um passado remoto, degraus que já não consegues subir...


Escadas que são caminhos na montanha, degraus que têm sabor de aventura...





Escadas que te levam a uma casa, degraus que respiram tranquilidade...






Escadas que tens dentro de casa, escadas que sobes e desces, sem consciência delas, como se não fossem feitas de degraus...




Escadas que podem levar-te mar dentro, degraus estranhamente horizontais que, por vezes, ousas experimentar...


Escadas antigas, degraus que sobes a correr, na incessante procura da memória de outros...


Escadas que vão sempre dar a outras escadas, incontáveis degraus que sobes com ansiedade, para chegar cada vez mais alto...


Escadas que, finda a loucura da subida, acabam no nada..., os degraus que, acreditas, te levam ao céu.

The Doors of Perception - Heaven and Hell

[...]
"We see that there are in nature certain scenes , certain classes of objects, certain materials, possessed of the power to transport the beholder's mind in the direction of its antipodes, out of the everyday Here and towards the Other worlds of Vision. Similarly, in the realm of art, we find certain works, even certain classes of works, in which the same transporting power is manifest."[...]
Turner (Téméraire)
[...]
"Visionary experience is not the same as mystical experience. Mystical experience is beyond the realm of opposites. Visionary experience is still within that realm. Heaven entails hell, and "going to heaven" is no more liberation than is the descendent in to horror. Heaven is mereley a vantage point from which the divine Ground can be more clearly seen than on the level of ordinary individualized existence.
If consciousness survives bodily death, it survives, presumably, on every mental level - on the level of mystic experience, on the level of blissful visionary experience, on the level of infernal visionary experience, and on the level of everyday individual existence." [...]

Turner (Slave ship)


Excerpts from "The Doors of Perception - Heaven and Hell" by Aldous Huxley

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Bosque dos Desejos

Júlia Calçada (s/ título)

Apetece enveredar por estra estrada;
embrenhar-se a gente no misterioso bosque,
povoado de sonhos e desejos indizíveis;
perder-se nos imaginários ziguezagues do labiríntico arvoredo
e vaguear, sem destino nem rota,
numa busca incessante de aventura
ao encontro de míticos dragões;
verdes e pequenos duendes, ocultos na folhagem
e fadas: cintilantes, sibilantes, improváveis.

Amor sem Tréguas



[...]"Il n'y a pas de vacances à l'amour, dit-il, çá n'existe pas.
L'amour, il faut le vivre complétemment avec son ennui et tout, il n'y a pas de vacances à ça.

Il parlait sans la regarder, face au fleuve.

Et c'est ça l'amour. S'y soustraire, on ne peut pas."[...]


Marguerite Duras, in "Les Petits Chevaux de Tarquinia"
Cabelos desalinhados, ao vento...
sorrisos tímidos, breves...
olhos molhados, por dentro.

Nos interstícios do que dizes,
adivinho o que fica por dizer.

Apesar da tragicomédia eleitoral...

para minha felicidade, as fontes continuam a jorrar!

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Os Paços de Dona Leonor


Juliet's Balcony


"Two households, both alike in dignity,
In fair Verona, where we lay our scene,
From ancient grudge break to new mutiny,
Where civil blood makes civil hands unclean.
From forth the fatal loins of these two foes
A pair of star-cross´d lovers take their life;
whose misadventur´d piteous overthrouws
Doth with their death bury, their parent's strife.

[...]
"The sun for sorrow will not show his head.
Go hence, to have more talk of these sad things.
Some shall be pardon'd and some punished.
For never was a story of more woe
Than this of Juliet and her Romeo."

from "Romeo and Juliet", by William Shakespeare

Como é sobejamente sabido, foi Verona, e não Peniche, que master Shakespeare escolheu para palco desta obra.
Poderiam ter sido Leonor e Rodrigo o par imortalizado na literatura, pelas semelhanças que a lenda de Dona Leonor, presença viva no imaginário das gentes de Peniche, apresenta relativamente à tragédia do mestre. Mariano Calado, no seu livro "Peniche na História e na Lenda", narra esta história de amor trágico conforme passo a transcrever:

"Conta-se que, no primeiro quartel do Séc. XVI, existiam em Peniche dois fidalgos que, reciprocamente, se odiavam: ódios velhos, nascidos porventura nos longos e temerosos cruzeiros das descobertas, de onde haviam trazido histórias fantásticas para contar e riquezas de sobejo para desbravar o torrão natal. E nada no mundo os fazia aproximar e esquecer a sua malquerença.
Quis Deus, todavia, que Rodrigo, filho de um deles, se enamorasse loucamente de Leonor, a bonita e prendada filha do outro dos fidalgos desavindos.
Sabedores do ódio profundo que separava seus pais, não ousavam os jovens enamorados revelar o doce afecto que os unia, não podendo, porém, evitar que transbordasse o alvoroço de amor que os aproximava. Descobertos então os sentimentos de ambos, e sem que nada houvesse a demovê-lo da sua decisão, resolveu o pai de Rodrigo degredar seu filho para a Berlenga, fazendo-o ingressar, como noviço, no Mosteiro da Misericórdia, de frades jerónimos, ali existente, a fim de que ele esquecesse tão indesejável e impossível união.
Obediente a seu pai, partiu Rodrigo para a Berlenga, com a alma cheia de revolta e de ansiedade.
Mas o amor é fértil em imaginação e, com a ajuda de Gil, um pescador seu amigo, fazia-se o jovem transportar num pequeno batel, todas as noites, até uma gruta situada nas penedias da costa meridional de Peniche, onde Leonor ansiosamente o aguardava assinalando a sua presença com a luz de uma pequena lanterna.
Por muitas e longas noites se repetiram os encontros dos dois jovens apaixonados. Mas, certa vez, descobertas as surtidas de Leonor, viu-se a donzela perseguida pelos servos de seu pai e, na precipitação da fuga, saltando de rochedo em rochedo, , resvalou sobre os seixos da encosta. E, na negrura da noite, tombou um grito de morte do alto da penedia, afogando-se na escuridão do mar que, em baixo, ciciava segredos e saudades.
Entretanto, para mais uma noite de amoroso convívio, chegou Rodrigo à vista da gruta. Não enxergando o sinal do costume, começou o jovem de sentir a alma repassada de surpresa e receio. Subiu a encosta, apressado, chamando pela bem-amada. Só o eco e o marulho das ondas lhe responderam. Tentou penetrar na noite, temendo alguma desgraça. Nada. Até que se lhe retalhou o coração de angústia ao ver a boiar em baixo, inútil, o manto branco da sua enamorada. Um grito de dor cresceu da sua alma ferida, enchendo de tragédia os recônditos mais negros dos rochedos. E, na esperança de salvar a sua amada, lançou-se Rodrigo do alto das arribas ao encontro da noiva que perdera...
Dias depois, nas areias do carreiro vizinho, alguém encontrou o corpo de Leonor, embalado docemente pelas ondas, os lábios iluminados por um sorriso triste e imaculado, constando que, piedosamente, o fizeram depositar no adro da capela de Santa Ana.
Quanto ao corpo do desventurado moço, diz também a tradição que foi encontrado na costa do norte, junto a uma rocha a que se deu o nome de Laje de Frei Rodrigo.
E ainda hoje, quem souber entender os murmúrios do mar e passear os olhos pela beleza que se distende por toda a costa sul de Peniche, pressentirá a doçura inefável de um mistério cheio de encantamento e poesia: talhada romanticamente nas arribas, a gruta que foi teatro de tão trágico amor e a que o povo, religiosamente, chama Paços de Dona Leonor, lá está, altiva e serena, a aguardar, numa renovada esperança de juventude, o regresso feliz dos dois enamorados..."


segunda-feira, janeiro 16, 2006

Salvação

Manhã fria de Janeiro.Vento agreste.
Uma fina película de gelo
cobre o manto de água que teima em correr
pela montanha,
seguindo o seu curso.

Folhas caídas no riacho...
prisioneiras do gelo
até que o sol as liberte.

Aconchego a gola do casaco ao peito.
Puxo o capuz para evitar que o sopro de ar frio me arrefeça o rosto.

Sento-me numa pedra
e entro em contemplação.

Penso em ti.
Na tua presença mágica:
o plácido lago azul dos teus olhos;
a música doce e quente da tua voz;
o calor do teu abraço forte;
o fogo de um beijo teu.



Por um instante,
já mais não sou que uma folha
à espera da tua chegada,
secretamente inquieta,
alvoroçada,
ansiosa
para voltar a ser livre.


O Pescador que perdeu as Graças do Mar

Ao meu Pescador
que, tal como o Marinheiro de Mishima,
perdeu as Graças do Mar...



[...]
"Largando rolos de fumo negro, um barquinho passava no horizonte.
Ele podia ter estado a bordo daquele navio.
Eu podia ter sido um homem que partiu para sempre.
Tinha-se cansado e agora, lentamente, começava a acordar para a imensidão do que abandonara.
As escuras paixões das marés, o rugido duma onda, a avalancha das vagas quebrando-se contra um recife...
uma glória desconhecida chamando-o incessantemente da negrura do alto mar, era a glória confundindo-se na morte e numa mulher, a glória de fazer do seu destino uma coisa especial, uma coisa rara."
[...]

[...]
"Sempre imerso no seu sonho, bebeu duma vez o chá morno.
Estava amargo.
A glória, como sabeis, é uma coisa amarga."







Excertos de "O Marinheiro que perdeu as Graças do Mar", de Yukio Mishima

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Berlenga - a ilha do sonho


[...] " A Ilha já não é um poiso solitário, morada de gaivotas, de airos, de galhetas e pardelas. Todos os fantasmas acordam e andam aqui, sorridentes, longínquos, vaporosos como a própria luz que se escoa pelos rochedos teimosos; escorrem-se, transluzentes, pelo musgo viçoso, sobem misteriosamente as escarpas sombrias da restinga e acenam do alto, das ameias velhinhas do forte - ninho de heróis e de corsários -, que nos surge, vindo dos esconsos brumosos do passado, imponente e simples, acanhado e soberbo na sua traça guerreira que se resolveu abrir as portas de par em par e oferecer-se, na solicitude de um romântico repouso, aos visitantes pacíficos, ávidos de uns momentos de paz e de sossego...



As canhoneiras descansam. Pelos adarves já não se passeiam as sentinelas, atentas aos assaltos da pirataria. As casamatas são acolhedoras. Os terraços , abertos ao sol e ao horizonte...

Sob o Forte de S. João Baptista, uma pequenina jóia enche-nos a alma de sonho: é a Gruta Azul, pequena reentrância onde mal cabe a lancha que nos transporta, surpreendente recanto de paraíso onde o azul tem mais cor, onde tudo é azul: a água, a rocha, o céu que se reflecte, as mãos curiosas que se mergulha na toalha líquida em busca de um segredo que se não pode desvendar, porque impossível, porque pertença de um mundo só beleza diáfana...



A Gruta da Lagosteira é apertada e escura como breu. Mas a água brilha, pintalgando em fantasia o fundo assombroso, verde, azul e doirado, das areias, dos seixos e das algas. Penetramos, afoitos, curiosos, sedentos de descobrir o mistério profundo deste abrigo de fantasmas. O fim parece não surgir: é tudo escuro - por cima, à volta... só o fundo se exibe numa claridade difusa, arrastada pelas profundezas desde a entrada da caverna. E lá adiante há um ponto vermelho, um olho luminoso que nos espreita de qualquer abertura, que se esconde e atravessa o dorso rijo da Ilha, como veia sanguínea de luz, divina transparência a criar um reflexo de encantamento e magia. Nem os remos se ouvem, receosos de negar ao silêncio a sua eloquência.
Mas o belo ainda se não acabou neste paraíso de mar, perdido num fascínio verde-azul...

[...]
A Ilha, agora, abre-se, desvenda-se, rasga-se profundamente no ventre fértil como se se preparasse para a hora de um parto gigantesco, abrindo nas suas entranhas miraculadas o Túnel do Furado.

A lancha baila de manso sobre as águas suavemente onduladas, sulcando uma floresta aquática de surpreendente vegetação. As algas acastanhadas, escuras, executam bailados estranhos, dantescos, descobrindo a espaços a areia dourada do fundo pedregoso, e como que nos oferecendo os braços enormes, coleantes, monstruosos, para um outro bailado. É uma beleza que arrepia, de tão selvática e tão simples, de tão encantadora poesia e tão sortílegos contrastes. A rocha, junto às águas, baba-se, indolente; e, a meia altura do paredão deixa entrever fosforescências que atravessam a Ilha e penetram, por escaninhos estreitos e abissais, até chegarem, difusos, vaporosos, misturados de névoa...
[...]
Vamos ao encontro da face oeste da Ilha, mais batida de mar. Não entramos nas furnas e canais com o sossego que a orla oriental nos permite... Mas que beleza ainda! Que românticas e maravilhosas perspectivas!...


O Cavalete , outro pequeno ilhéu, continua o roteiro de beleza , embora a luz e a cor já sejam outras, embebidas de sol. E sentimo-nos impelidos a continuar, como se um íman misterioso nos atraísse poderosamente.



[...] tomamos o caminho (...) rumando o canal estreito e ondulado, aparentemente eriçado de perigos, da Greta de Inês. De um lado, o Felonte, dorso de ilha a afogar-se na garganta de mar; de outro, o Ilhéu da Inês, atrevido, minúsculo, a saber a aventura.
Ali, ao fundo, uma pequena baía e um buraco negro, como boca aberta na rocha: é a gruta de Flandres. Há qualquer coisa de fantástico, de grande e impossível de descrever. Tentamos falar e os lábios , entreabertos de maravilha, não reagem, e caminhamos silenciosamente , absortos no claro-escuro do ambiente de sortilégio, no mágico silêncio apenas quebrado pelo chapinhar brando dos remos.



A noite cai, sossegada, num beijo prateado de nostalgia. A lua banha as encostas, recortando sombras e fantasmas pelas arribas. O farol risca, a espaços certos, o horizonte , como aviso aos mareantes. As pardelas rasgam o silêncio, quebrado apenas pelo açoitar sereno das ondas, com os seus pios solitários e supersticiosos.

E para além da escuridão, apenas entrecortada pela luz branca do farol, que teima em rodar iluminando o horizonte, para além da saudade que nos arrasa já, bem fundo, a alma enamorada, adivinhamos os contornos vagos da Ilha, das grutas recortadas em arabescos irreais, das alga irrequietas nas águas translúcidas.

Adivinhamos, pressentimos, palpamos misteriosamente toda a beleza, todo o sortilégio da Berlenga - a ilha do sonho..."


Notas:
1) Textos de Mariano Calado, extraídos do livro "Peniche na História e na Lenda", 4ª edição, 1991
2) Fotografias a preto e branco tiradas pelo meu pai, nos anos cinquenta

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Caminho

Sisley (Chemin)

Ah este caminhoque já ninguém percorre
a não ser o crepúsculo (1)


Na margem direita, bem junto ao rio, há um velho caminho semi-escondido entre duas alas de arbustos que se curvam até formar um túnel que acompanha, para montante, o curso de águas profundas e calmas.

Se meteres por esse trilho e, durante o percurso, fores sorvendo os cheiros, as cores, os sons que esta vereda te oferece, nem darás pelo muito que andaste e será em êxtase que te vais encontrar no sopé da montanha multicor. Verás muitas oliveiras e choupos e, na encosta, algumas casas (poucas) todas com telhas vermelho-vivo. Da chaminé de uma das casas verás sair espirais de fumo que vão dissolver-se mais acima, entre o cume do monte e as nuvens que o cobrem.

Então saberás que alcançaste a casa da montanha e serás bem recebido, com todos os presentes a que um caminheiro pode aspirar. Lá dentro, sentado à lareira, com o olhar perdido no bailado das labaredas e a tranquilidade de quem poderia esperar a vida toda, um amigo sente que chegaste.


As mãos no lume
... e na parede
a sombra do meu amigo
(1)


(1) Matsuo Bashô in "O Gosto Solitário do Orvalho"

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O acto da escrita

[...] “C’est curieux un écrivain. C’est une contradiction et aussi un non-sens. Écrire c’est aussi ne pas parler. C’est se taire. C’est hurler sans bruit. C’est reposant un écrivain, souvent, ça écoute beaucoup. Ça ne parle pas beaucoup parce que c’est impossible de parler à quelq’un d’un livre qu’on a ecrit et surtout d’un livre qu’on est en train d’écrire. C’est impossible. C’est à l’opposé du cinema, à l’opposé du theatre, et autres spectacles. C’est à l’opposé de toutes les lectures. C’est le plus difficile de tout. C’est le pire. Parce qu’un livre c’est l’inconnu, c’est la nuit, c’est clos, c’est ça. C’est le livre qui avance, qui grandit, qui avance dans les directions qu’on croyait avoir explorées, qui avance vers sa propre destinée et celle de son auteur, alors anéanti par sa publication: sa séparation d’avec lui, le livre revê, comme l’enfant dernier-né, toujours le plus aimé”. […]
[…] Il y aura une écriture du non-écrit. Un jour ça arrivera. Une écriture brève, sans grammaire, une écriture de mots seuls. Des mots sans grammaire de soutien. Égarés. Là, écrits. Et quittés aussitôt. [...]
Marguerite Duras, in “Écrire”

Gosto das palavras. Gosto das palavras escritas. Gosto de um texto escrito com palavras. Primeiro, as letras, depois, as palavras formadas pelas letras e, por último, o texto acabado, construído com palavras, que começaram por não ser mais do que objectos dançando, de forma aleatória, na mente labiríntica do escritor.
Também gosto das não-palavras, que são formadas por não-letras e constroem um não-texto da autoria de um não-escritor. Por vezes não-escrevo, até, romances assim. Não têm para mim o encanto de um romance escrito mas, nem por isso, deixam de ter o seu lugar nesta urbe louca que é a minha cabeça.
No seu magnífico último romance, escrito em forma epistolar, "Si sta Facendo Sempre piú Tarde", Antonio Tabucchi conta, numa das suas cartas, a história de um contador de histórias que não as escreve, mas que as mantem vivas, palavra por palavra, na sua memória que as imaginou. Diz ele, a certa altura, na carta "Livros Nunca Escritos, Viagens Nunca Feitas", dirigida ao seu amor: [...]" Era um romance um pouco romântico, talvez até demasiado romântico, não achas?, mas não foi por isso que eu não o escrevi: na realidade este romance teria sido a obra-prima de todos os meus romances não escritos, a obra-mestra do silêncio que eu tinha escolhido para a vida toda. Uma pequena obra-prima, entenda-se, nada daqueles enormes romances monumentais que fazem a alegria dos editores e que nem remotamente alguma vez pensei não escrever: resumindo, uma coisa pequena que não excedesse os dez capítulos em cem páginas: uma medida de ouro. Quatro meses exactos foi quanto levei para não escrever este romance, de Maio a Agosto; (...) E depois fui ter contigo precisamente nessa noite, como te deves recordar, tinha passado esses quatro meses naquela casa de campo, com um calor húmido que sufoca a garganta e ensopa os ossos, tu telefonavas-me todos os dias e perguntavas-me: porque é que não apareces?; já te disse, repetia-te, pus-me a não escrever um romance complicado que me está a fazer suar as estopinhas, mais ainda do que o calor infernal desta terra, mas garanto-te que vai ser um romance bonito, ou estranho, talvez, mais estranho do que eu, uma criatura esquisita, uma espécie de coleóptero desconhecido fossilizado numa pedra, assim que chegar eu conto." [...]
É assim a escrita. O acto de, ou não, escrever. Como o é o de toda a criação artística: um mistério milenar que continua a deixar embasbacados os que com esse fenómeno se preocupam. Mas a verdade é que se preocupam deveras. E escrevem sobre isso. E debatem. E voltam a preocupar-se e a procurar explicações, justificações, razões, agarram-se a qualquer coisa que os possa levar ao conhecimento (e domínio?) do que está subjacente a este acontecimento inegável: - o acto de criar. Talvez para que, uma vez descoberto o segredo, possam afastar as permanentes angústias da incapacidade (ainda que temporária) de criar?

A Casa da Montanha

Pissaro (redroofs)


Aqui, nesta encosta da montanha, posso encontrar a casa de que nos fala o poeta Vasco Pontes, no seu blog dovoar. O meu texto ficou (para sempre?) adiado quando me deparei com o dele. O sentimento que o levou a escrever, e a mim a pretender fazê-lo é, tanto quanto me parece, o mesmo: a necessidade de ter um espaço íntimo e único para o acto de criar e, em simultâneo, a de que esse local escondido não seja um lugar solitário, mas antes o sítio onde podemos encontrar outros que precisam de espaços como o nosso para o mesmo fim e que fruem, com prazer, a partilha.


Nota: só após publicação verifiquei que a data do meu post é anterior à do mencionado poema do Vasco. A explicação é simples, e possivelmente óbvia: a imagem tinha sido colocada em draft no dia 4 de Janeiro mas foi no dia 5 que decidi escrever sobre ela. Nesse momento aconteceu o que contei acima...



domingo, janeiro 01, 2006

Votos de Bom Ano Novo e Pausa para Publicidade

Com votos de um excelente 2006 para os visitantes deste singelo e despretensioso blog, aproveito para fazer uma pequena pausa para publicidade. Aqui vai:

Se é um produtor ou realizador de cinema com talento e ambição mas não encontra um argumento à altura do seu filme, pode parar de procurar, respirar fundo, e descansar.
Nem mais: a autora deste blog terminou, no último dia do ano que se foi, um guião para uma longa-metragem de qualidade, modéstia à parte. Se, até lá, este anúncio não for lido pelo tal produtor ou realizador de mão-cheia, (que, quem sabe, vagueia erraticamente pela blogoesfera à procura de um argumentista que lhe encha as medidas?!), o dito guião (pronto a ser usado) irá, quase inevitavelmente, parar às mãos de um júri de selecção do ICAM, no próximo concurso para escrita de argumentos.

Não perca esta oportunidade!... Antecipe-se!!!


Pois então, caros amigos, que o Novo Ano seja de "mão-cheia" e vos "encha as medidas".