quinta-feira, janeiro 25, 2007

Cumplicidade improvável


"Pondo a Conversa... à Chuva" - fotografia de Myself (Luz Acesa)

Não era vulgar encontrarem-se. Os Woolf nunca saíam de Inglaterra e os Fitzgerald, esses viajavam muito entre os Estados Unidos e a Europa, embora no velho Continente os seus locais de permanência mais frequentes fossem Paris e a Riviera Francesa. Também íam a Roma de quando em vez.

Quis o acaso que, naquele inverno de 1931, F. Scott Fitzgerald se tivesse deslocado à Grã-Bretanha, deixando Zelda, por uns dias, sozinha no Sanatório, na Suíça, para tratamento de uma das suas crises psicóticas.

Leonard Woolf era um homem reservado e raramente falava da doença de Virginia, que tanto o afligia. Naquele dia encontrava-se particularmente apoquentado pelo estado de exaustão a que a esposa tinha chegado na sequência de ter terminado o seu romance "As Ondas". Dirigia-se para Londres para, precisamente, conversar com o médico sobre a bipolaridade de que a sua mulher padecia e para com ele trocar impressões sobre a evidência dos sintomas de um estado confucional extremo.

Foi debaixo de uma irritante chuva miudinha que os dois maridos angustiados se cruzaram e, tendo-se reconhecido, para ali ficaram, horas a fio, debaixo do mesmo chapéu, a comparar a miséria em que os amores das suas vidas haviam tornado os seus quotidianos.

Já completamente ensopados, concordaram "A genialidade tem um preço" ... "e o verdadeiro amor também pode ter", concluíram. "Quando juntamos os dois..." disseram em uníssono, com um sorriso amargo.

"Adeus Leonard, as melhoras da Virginia".

"Fica bem Scott, e que a Zelda recupere em breve".

Separaram-se com um abraço e seguiram caminhos opostos. Apesar de molhados e tristes, ficou no espírito de ambos um doce sentimento de consolo, por terem exposto e compartilhado a dor, falado dos desgostos e preocupações, confessado abertamente as suas paixões desmedidas pelas mulheres fabulosas a quem haviam dedicado as suas existências, mau-grado o sofrimento causado pelos desequilíbrios emocionais com os quais se haviam habituado a conviver (e que viriam a vitimá-las!).

16 comentários:

Anónimo disse...

Inventaste isto, Maria? As coisas que sabes àcerca desta gente, mas a estória que havias de arranjar! Começo a ficar seriamente preocupado contigo. Algo se passa!!! Sim, sim.

Um beijo muito amigo.
Francisco

jorge esteves disse...

Belíssima aguarela em tons de cinzentos; por dentro e por fora...
Afectuosamente

vida de vidro disse...

O génio, o talento estão tanta vez associados a psicoses! Um encontro que, a acontecer, lhes teria certamente dado muito que conversar... **

Ana Prado disse...

Minha querida amiga, quero deixar-te um abraço, e que te possa confortar de alguma forma.Alguma coisa, o meu mai está ali mesmo, no Luz Fugaz:)

Que fiques o melhor possível.

Maria P. disse...

Impressionante este "post".

Boa semana.

M. disse...

Vim agradecer o haiku (gostei da transformação...) :-) e encontro este texto impressionante.

aquilária disse...

quantas vezes, querida maria, encontramos consolo e alento em encontros cúmplices, belos e improváveis...só se partilha verdadeiramente a dor com alguém que a com-sente.

um abraço grande

caminante disse...

Hoy paso sólo para decir: ¡ola!. El tiempo es escaso. Pero da para este poco.
Un fortíismo abrazo.

caminante disse...

Las prisas nunca son buenas. Por lo que he regresado. Y me encuentro con el bello comentario de AQUILARIA. Estoy plenamente de acurdo con ella. CON-PADECERSE, padecer con.
Si tienes tiempo, te invito a que leas "CON-DOLERSE", en mi Blog. Es del 13 de marzo del 2206. Y los comentarios. Pueden ayudarte.
Un forrtísimo abrazo.

Anónimo disse...

Aquilária:
Tens a Sabedoria contigo e mereces o Amor Universal. Esta Maria merece muitíssimo as tuas palavras sábias. Vou passar a visitar o teu blog. Obg

Isabel José António disse...

Querida Amiga Maria,

Esta história faz-me lembrar a Física Quântica.

Prescreve a mesma, através de variadíssimos cientistas, que quando duas partículas subatómicas interagem uma vez que seja, nunca mais deixam de estar em contacto uma com a outra, qualquer que seja a distância a que se encontrem.

Há amores assim e há amores dum instante. Mas amor.

A vida tem muitos níveis de vibração. Tantos como a energia de que provém. E o que se aprende com as partículas (que os nossos olhos não veem) é o que acontece com com o restante mundo (o que nós vemos e está ali mesmo à frente dos nossos olhos e o que nós não vemos por estar e biliões de anos luz de distância).

Ou seja, os antigos diziam que "O que está em cima é como o que está em baixo". Os modernos afirmam: "O microcosmos é como o macrocosmos)

Um grande abraço e volte sempre.

Temos estado com muitíssimas ocupações que não nos permite efectuar posts com a mesme frequência com anteriormente.

José António

Maria Carvalhosa disse...

Obrigada, amigos, pela vossa passagem por mais este post e um agradecimento especial aos que comentaram.

Beijos.

Maria disse...

Passo por aqui sempre com um gozo especial.
Estive uma semana na nossa zona, sem computador, ou com computador 30 minutos de dois em dois dias.
Mas isso não interessa agora. O mar estava lindo, desde Peniche à Nazaré, toda a costa calcorredada...
****
E esta história, se inventada, está fantástica.
Se recontada, fantástica está.
Deixo-te um beijo

Licínia Quitério disse...

Querida Maria,

Não sabia desse encontro. Tocante a forma como o contaste.
Algum conforto devem ter sentido esses dois homens na compreensão mútua dos seus caminhos de amor e dor.

Às vezes são tão necessários e urgentes esses encontros. Mas tão raros.

Um grande beijo, Amiga.

Anónimo disse...

Li.
Fiquei a pensar.
Não me ocorre nenhum comentário.
Até breve.

Teresa Durães disse...

"A genialidade e a loucura andam de mãos dadas"

hoje estudos dizem que a bipolaridade talvez não seja uma doença mas uma forma de ser.

Virgínia suicidou-se. Como Florbela Espanca, Hemingway. Todos considerados possíveis bipolares.

Entre as angústias e as manias as emoções que se atravessam são em demasia para um corpo só. Digo prque também sou bipolar. E vivi psicoses.

Mas a bipolaridade dá a compreensão (a meu ver e de outros que conheço) que para além do trabalho amor e filhos o mundo é imenso.

Todos morremos de qualquer coisa. Cedo ou tarde. Podemos simplesmente ser atropelados.

Não se pode ver apenas sofrimento nesta "disorder", termo americano - exclui a palavra doença.

A consciência do que rodeia é intensa. Obviamente não serão todos iguais.

boa tarde