segunda-feira, junho 25, 2007

O rosto de Esmeralda

Todas as fotografias trazem histórias agarradas.
Por coincidência, duas das últimas com que entrei no jogo "Fotodicionário", do blogue Palavra Puxa Palavra têm, por detrás, histórias de família ("linhas" e "rosto").
Relativamente a esta última, andava eu a "meter o nariz" no conteúdo de uns caixotes que estavam no sótão da nossa casa na Quinta da Ponte do Arco (quem quiser conhecê-la pode visitar o meu post "A Obra" - (Ponte do Arco), de Fevereiro de 2007), quando me deparei com este retrato a carvão, amarrotado e mal-tratado pelo tempo e pela ausência de estima, assinado pela minha tia-bisavó Albertina Augusta (coitada da senhora... que nome lhe haviam de ter posto!). Fiquei, desde logo, fascinada. Mais deliciada ainda quando reparei na data do dito retrato: nada mais nada menos que o dia exacto do meu aniversário, mas quase cinquenta anos antes de eu ter nascido... de imediato me apaixonei por aquele rosto, de "buço" e olhos indubitavelmente muito claros - verdes, possivelmente - e baptizei-o de "Esmeralda".
Fiquei cheia de dúvidas quanto ao modelo, tal como alguns de vocês, meus amigos, que assim o manifestaram nos comentários à foto no referido jogo do PPP ("mas isto é homem ou mulher?" , "mulher com um bigode daqueles?".
Encontrei como resposta provável que tivesse sido um retrato desenhado às escondidas, pela minha tia-bisavó, recorrendo a uma empregada como modelo. Empregada doméstica não deveria ser, pois não apresentava o uniforme característico, poderia ser uma lavadeira ou, então, era uma encenação em que a/o modelo vestia roupas "arranjadinhas", embora modestas, escondia o cabelo numa espécie de turbante (à maneira das lavadeiras da época, julgo eu) e punha uns brincos compridos, a contrastar com o resto. Tudo meras possibilidades... a verdade partiu para sempre com a tia Albertina (que tive o prazer de conhecer e com quem convivi intensamente desde a minha infância até aos vinte e tal anos, dado que ela morreu com cerca de noventa).
Resta-me acrescentar, a título de curiosidade, que a autora do retrato a carvão era neta, filha e irmã de pintores famosos da nossa praça, todos eles alunos e, mais tarde, professores nas Belas-Artes (um dos irmãos até ganhou vários prémios Valmor, tendo sido um dos arquitectos bem conhecidos do "Estado Novo", autor de obras de época como a Praça do Areeiro e as chamadas "Avenidas Novas", bem como a sua própria residência em Lisboa, igualmente objecto de prémio Valmor).
A tia Albertina que, segundo consta, era a filha que tinha herdado do pai e do avô a verdadeira arte de pintar e desenhar (quadros de ambos, mas principalmente do avô, podem encontrar-se no Museu de Arte Contemporânea, no Chiado) - e eu tenho aguarelas e óleos pintados por ela, devidamente cuidados e amados, como merecem - viu negada a sua vontade de aceder, contrariamente aos irmãos do sexo masculino, às Belas-Artes, porque uma menina da aristocracia (ainda que praticamente arruinada), mesmo numa família de artistas pelo lado paterno, tinha mais era que casar e ter filhos e comportar-se como uma senhora de sociedade. O marido, inclusivamente, viria a proibi-la de pintar, razão pela qual penso que o retrato terá sido feito às escondidas... Enfim... outros tempos... em que a mulher, de forma submissa, tinha que obedecer e não questionar... primeiro, os pais, depois, o marido. Pobre tia Albertina Augusta!
Mas o orgulho que ela tinha nos muitos quadros do pai e do avô que lhe revestiam as paredes da casa era imenso! E o que eu e o meu irmão gostávamos de estar com ela!...: conversar, admirar os quadros, um por um, vezes sem conta, ver os muitos livros de arte, ouvir as suas deliciosas histórias! Não é vulgar, em crianças da nossa idade, trocar as brincadeiras com os amigos por tardes passadas em casa (e no jardim, é verdade) de uma tia quase octogenária.
Passávamos tardes inteiras com ela e nunca, nunca nos fartávamos. Havia, na parede de uma das salas, um quadro enorme, um óleo pintado pelo pai, retratando o claustro do Mosteiro da Batalha. Tinha umas cores fabulosas, em que me lembro de predominar um tom dourado. Nas tardes de sol de inverno, quando os raios estavam baixos e incidiam de uma certa forma no quadro, distinguia-se, no canto inferior direito, no sítio onde ele pintara um jarrão de flores, a figura de duas senhoras elegantemente vestidas (a esposa e a cunhada do pintor, segundo a tia) que o pai resolvera tapar com o jarrão numa fase avançada da vida em que já fazia (conforme ela nos assegurava) alguns "disparates".
Aquela casa de sonho tinha também quadros de outros artistas de renome, amigos da família, como os irmãos Bordalo Pinheiro, cada um no seu género, como sabemos, ou o Cottineli Telmo a quem ela, ternamente, chamava apenas "Telmo", quando contava algum episódio passado entre eles (desconfio que chegaram mesmo a ter namoro).
Quanto à Esmeralda, olho-a muitas vezes, numa parede da minha casa do Baleal (mal sabia ela, que nunca deve ter visto o mar, que iria acabar numa casa de praia). Adoro aquele contraste entre o buço e os olhos claros, sonhadores... de vez em quando vejo-a/o piscar-me o olho!!! ;)

27 comentários:

APC disse...

Mas que magnífica homenagem!!!
:-)))
Que especial, ir desencantar e desenterrar histórias de linhagens, de rostos com olhares e gestos e vidas e artes...
Gostei do entrelaçar de memórias vividas e hipóteses alvitradas! :-)
Aqui respondeste-me à pergunta que te fiz no PPP (acreditas que quando te comentei por lá, nem estava a ver que eras tu, de entre as Marias?... Lol, o de sempre!).
E "Esmeralda"... Um nome perfeito!

Um abraço grande, de quem volta com mais tempo e alma para ler o teu regresso a Kyoto! ;-)

Isabel José António disse...

Cara Amiga Maria Carvalhosa,

Um retrato e tanto. Uma recordação cheia de vida e história. São assim os pequenos/grandes detalhes da via.

Muitos parabéns.

Queria convidá-la, se tal lhe convier, para assistir a uma conferência que irei realizar em 14 de Julho de 2007, em Lisboa, na sede da Soc. Portuguesa de Naturalogia, sita na Rua do Alecrim, nº.38-3º., Lisboa, pelas 18 horas, com entrada livre, subordinada ao seguinte tema:
ESPIRITUALIDADE E CIÊNCIA

Seguir-se-á um debate com a assistência. Se puder será bem vinda.

Um abraço

José António

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Cá a minha amiga é só tias: tias bisavós, tias netas! (A propósito, dá um grande beijinho à Maria Teodora e diz-lhe que estou à espera de nova aparição com uma catrefada de versos).

A tia Esmeralda, pelo que percebi desenhada a carvão pela tia Albertina, está a banhos no Baleal.

Estou com alguma pressa, mas voltarei aqui assim que possa.

Vai daqui, também, uma piscadela de olho.

Ah! E podes dar-me os parabéns que faço hoje anos.

Beijinhos.

Teresa Durães disse...

gostei deste 'romance' em volta da Esmeralda :)

boa tarde

Rosa dos Ventos disse...

Acho que os olhos verdes de Esmeralda ficam lindamente junto ao mar do Baleal.
Quanto à estória do retrato e de tudo o que vem à baila foi escrito por mão de artista.
É de família esse traço...

Maria P. disse...

Com muito prazer a Casa de Maio escolheu este "Rosto" de belíssima escrita como um dos 7 eleitos.

Beijinho*

Anónimo disse...

Olá Maria

Acho espectacular o retrato.
Mas também achooespectacular a mulher (nunca me passaria pela cabeça pensar que era homem) de pescoço alto, posição de cabeça de uma dignidade imensa, maçãs de rosto altas, e a beleza dos olhos.

No meu conceito de beleza, uma mulher lindíssima.


Beijinhos

deep disse...

adorei o traço condutor desse retrato feito de carvão incandescente e vivo de factos e emoções


um abraço

M. disse...

Gostei desta homenagem.

Besnico di Roma disse...

Maria.
Hoje apetece-me desconversar.
E tu, serás como o modelo do retrato?!.. refiro-me ao bigodinho… eh eh eh
Beijitos D.ª Brites de Almeida.

jorge esteves disse...

Muito interessante este desenho (já me tinha prendido a atenção), agora ainda mais, associado à história que aqui o envolve. É que, o escritor, o poeta, pega nas palavras, dá-lhes ordem, força, sentido e, delas, emergem pensamentos, ideias, reflexões ou apenas sentimentos. O pintor também faz o mesmo, com as cores, com o traço, com a luz ou com a sombra.
Por isso, do outro lado ainda lá está a história do retrato...
Abraço.

Anónimo disse...

Maria, depois dos nossos mails de mútuo reconhecimento, foi um grande prazer vir aqui e ler os teus posts. Afinal já conhecia também alguns dos quadros da JC porque tinha lá entrado através do PPP onde espero ver-te amanhã.

carteiro disse...

Tenho poucas palavras perante as que acabei de ler e que me fascinaram. Grandes histórias nascem assim. Através de retratos ou de outros contactos visuais (ou nem só) que nos deixam a imaginação fluir.
A Esmeralda tem um olhar encantador e tão misterioso, que a posição em que os lábios se encontram ainda realça mais.

Anónimo disse...

Querida Maria,

Quem sabe um dia, não possamos beber um chá com a Esmeralda? Por ai no Baleal? ....

"mal sabia ela, que nunca deve ter visto o mar, que iria acabar numa casa de praia".

Lindo!

Para a "troca", ofereço um chá genuíno, de ervas do campo, recolhido seco e produzido por um familiar meu.

Na minha sala, ai em Peniche, não tenho fotos. Só mesmo pinturas trazidas de viagens... Cores fortes, muito fortes. :)

Na verdade, existem tantas "estórias" que poderemos partilhar com os outros, querida Maria ... Ao ler-te recordei o dia em que levei a minha avó a Peniche pela primeira vez (tinha ela já perto de 80 anos, faleceu com 92)...
Nessa altura, tinha eu um apartamento na Marginal Norte, um 2º andar do qual se avistava tudo em redor, desde as Berlengas, ao Baleal, à Consolação ...

Recordo o espanto, a confusão que lhe fez perceber que estava "dentro do mar"....

Afinal, Peniche é uma Península, e ela uma pessoa de "sequeiro" como costumava dizer, com muita graça ...
Os seus referenciais eram outros. O Rio a Sul e nada mais...

Amiga, já me alonguei. É um prazer andar por aqui

Bjs da Mel, votos de excelente fim-de-semana.

www.noitedemel.blogs.sapo.pt
www.maresiademel.blogs.sapo.pt

Amita disse...

Querida amiga Maria
As minhas sinceras desculpas pela ausência a que sou obrigada.
Sempre que entro num blog, como o teu que muito gosto de ler, ou em outros de amigos que muito prezo, sou interrompida pelo trabalho a que me dedico (não me refiro a poesia), e saio de casa desatinada para cumprir o que me solicitam. Não é fácil mas nem sempre somos senhores da nossa vida.
O meu tempo torna-se cada vez mais escasso para as minhas deambulações pelos blogues que tanto amo ler, para acompanhar quem gentilmente me visita e me deixa lindas palavras e, inclusivé para publicar os poemas que, entretanto, vou fazendo.
Desculpa falar disto tudo, mas não sei o que o futuro a longo ou breve prazo me reserva embora o preveja... Como te disse o "desafio" não ficou esquecido apesar de estar fora de prazo :).
Passo para te deixar um grande e carinhoso abraço (sempre em correria) pois mais trabalho me espera.
A tua amiga que ultrapassa a virtualidade e que sente...
Amita

PS: Hoje passei pela Júlia, mas tive de sair... Adorei o teu comentário ao belíssimo óleo.

Luís Galego disse...

com ou sem buço o retrato é verdadeiramente extraordinário...

Anónimo disse...

Como já comentei este teu artigo, venho só dizer-te que achei muito engraçado o teu comentário no meu blog temposantigos. Aquele retrato foi tirado no jardim em frente da Câmara Municipal de Alenquer. Foi agarrada àquelas grades que eu aprendi a andar.
Tiveste um trabalhão a ir aos meus três blogs! Muito obrigada!

mixtu disse...

a Esmeralda nunca viu o mar...
a Esmeralda, quantas Esmeradas não haverão...
Se te pisca o olho... pisca-lhe também...
um dia vou também ao meu sótão, talvez encontre uma Esmeralda mesmo com buço :)

abrazo desde o Sabugueiro

Maria disse...

Querida Maria

Com toda a sensibilidade que tens, tenho a certeza de que ela, a Esmeralda, te pisca o olho... de vez em quando...

Beijinhos

Nilson Barcelli disse...

Apreciei particularmente este teu texto, principalmente pela incursão que fizeste nas tuas memórias, trazendo-nos um esboço da tua tia-bisavó.
Não seria um auto-retrato? Tu ainda a conheceste...
Bom fim-de-semana, beijinhos.

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

1/4

[Pensava eu que tinha sido esperto. Aproveitando os ensinamentos dos erros passados, peguei na palavras e enxertei-as no Word. Assim ultrapassava, cria, a volatilidade do editor de texto de blogspot. Copy&Paste no final da tarefa de escrevinhar, publicar e já está.]

[Mas não. Não estava nada: lá (aqui) não está nada. Que asneira fiz agora? Tentar de novo? Sim, sempre tentaste de novo mesmo quando as probabilidades de teres sucesso eram diminutas. O texto que se segue é da segunda tentativa de comentar.]

Para onde vão os anjinhos quando morrem? Para o limbo, não é? Então, será para essas bandas que terás, Maria, que procurar o já muito suado comment que aqui estivera a compor. Foi-se assim, sem aviso prévio; desvaneceu; evaporou-se. Tentarei, pois, retomar de memória o que antes fizera de inspiração momentânea.

Começava por te mostrar que, uma vez que o prometido é devido (e prometido fora quando disse "Estou com alguma pressa, mas voltarei aqui assim que possa"), estava, então, de retorno e com calma e tempo para comentar o teu post. Outra coisa não seria devida a quem sabe bem receber.

[É altura de lançar mão de expedientes. E se o texto, por ser demasiado longo, tivesse sido decepado por um autómato digital? Só há uma coisa a fazer, cortar o comentário em pedaços e mandá-lo, como nas comunicações por pacotes. Vou escrever lá em cima que este é o pacote 1]

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

2/4

Fiz o que era de fazer: para começar, pus mãos "À Obra" e fui ver a Quinta da Ponte do Arco.
Li. E à medida em que ia lendo, cogitava. Com esta a minha mania de triangular os contextos, e de pôr as coisas nos lugares convenientes, ainda pensei em ir ao GoogleEarth ver onde era essa tal Ponte do Arco; não fui, é claro, encontrada a explicação que de um arco mesmo se tratava. Tem uma linha de comboio por perto, será a do Norte?

Depois dizia, ainda no segundo texto desaparecido, com alguns detalhes mais apurados, que gostava, ao meu jeito – que é o de não adverbiar as emoções – em primeiro lugar, do que escreveste sobre a casa e a quinta; e, em segundo, da casa e da quinta que escreveste.

Atraem-me as casas (e também as quintas, que são continuações ao avesso das casas, como o forro das mangas dos casacos) com história por dentro e estórias à volta. Eu que não nasci num lugar assim – digamos por zelo de linguagem que nasci num lugar comum - tenho pena. Talvez por isso que ande a fazer eu próprio o meu lugar, um lugar afeiçoado aos calos das minhas mãos, um lugar para os meus últimos dias. Que é assim que eu gostava. Que fosse a minha Obra.

Tem muitas semelhanças com a tua: branquinha por fora e debruada com a tal listazinha azul; sótãos e esconsos para guardar tralha do século passado (são coisas com mais de sete anos, o que não parece muito agora, mas o tempo encarregar-se-á de dar peso à minha afirmação); a buganvília já lá esteve, encostada a um muro, a revelar as suas brácteas rosáceas, mas num dia de Inverno foi-se embora com a geada; a falta de um rio ou ribeiro levou-me a arteficializar um lago que agora é habitado por peixes vermelhos e uma rã com quem devaneio; e outras coisas.

Os meus jardins não têm goivos. A que vem isto agora? Irás tu perguntar-me. Tem uma explicação: ando a ler o "não entres tão depressa nessa noite escura" e o António fala insistentemente de goivos e do Luís Filipe. Mas será coincidência? Eu que não acredito em coincidências! Se uma coisa tem que acontecer, e se outra tem que acontecer, porque não hão-de ambas que acontecer aqui e agora? Que mal faz? Probabilidades independentes... Sair cara duas vezes? A moeda continua a ser honesta. Desonesto é roubar aos ricos para dar aos pobres.

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

3/4

Ao contrário da tua casa, os meus sótãos não têm retratos a carvão, só impressões a cópia de carbono, de quando usava uma velha Remington, ou a laser que é o que mais se parece.

Vem então, no teu post, a estória agarrada ao retrato a carvão.

Traz data, a mesma data do dia do teu nascimento. Mas será coincidência? Eu que não acredito em coincidências!

"Os olhos e Joaninha eram verdes... não daquele verde descorado e traidor da raça felina, não daquele verde mau e destingido que não é senão azul imperfeito, não, eram verdes-verdes, puros e brilhantes como esmeraldas do mais subido quilate.
São os mais e mais fascinantes olhos que há."


É que ando a ler também o João Baptista Leitão. Eu que não acredito em coincidências!

"Os raios verdes de teus olhos, faiscantes como esmeraldas, atravessaram o espaço e foram luzir no meio daqueloutros lumes que me cegavam. A esteva brava, o tojo áspero da nossa charneca mandavam-me ao longe as exalações de seu perfume agreste, e matavam o suave cheiro do feno macio dessas relvas sempre verdes que me rodeavam. As folhas crespas, secas, alvacentas das nossas oliveiras como que me luziam por entre a espessura cerrada da luxuriante vegetação do norte, prometendo-me paz ao coração, anunciando-me o fim de uma peleja em que mo dilaceravam as paixões."

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

4/4

No centro do teu texto temos duas estórias (com história?) que se cruzam na reciprocidade do ver e do ser visto, do pintar e do ser pintado: Esmeralda / Tia Albertina. Quem é uma? Quem é a outra?

O objecto do pintar insinua-se ao nosso reconhecimento através de ícones: o uniforme, o turbante, os brincos. E reconjectura-se: será uma empregada? Uma lavadeira? Uma encenação? Parece que a verdade teria partido com a tia Albertina.

A tia Albertina, o olhar do pintor, não, é real de carne e osso e a sua comprovada existência e identidade prolongam-se no tempo: para trás, na memória dos pergaminhos enumeráveis de família; para diante, pela sua vetustez. E prova disso é a convivência intensa, como se tivesse perdurado para demonstrar a sua existência terrena.

A descrição da tia Albertina é longa, precisa e detalhada; a da Esmeralda é sucinta, vaga e generalista.

Mas o mistério não está completamente desvendado: mas quem era a Esmeralda? Volto ao Lobo Antunes: a Adelaide teve filhos mãe? (…) A Adelaide não conheceu homens.

Esmeralda / Tia Albertina indissociavelmente irmanadas, nem que passageiramente, na vida real. Irremediavelmente unidas num retrato a carvão. Partilhando o seu segredo numa outra dimensão a que ainda não ganhámos acesso.

Pus-me a olhar detidamente para o retrato, talvez franzisse as sobrancelhas, talvez se me enrugasse o rosto todo, mas uma dúvida despertou e instalou-se no meu espírito. E se a Esmeralda fosse, não uma, mas duas pessoas?

Licínia Quitério disse...

Tinham de ser verdes. Os olhos. Procuravam o mar que agora lhes mostraste. Doçura e altivez nessa mulher tão bem retratada. Gostei de conhecê-la, Esmeralda.

Beijo.

rosa dourada/ondina azul disse...

Que história,
do quadro, da tia Albertina, da Esmeralda.

Gostei de conhecer este teu cantinho. Simpático, ele é.

Beijo,

Esvoaçante disse...

Que nome fantástico, Maria!
Eu sei, um duplo A nem parece.

«Albertina», "bright nobility",
«Augusta», "great" or "venerable"

Que esplêndido nome.
E a descrição... afectuosa, expressiva. Notável.

Beijo.