terça-feira, janeiro 06, 2009

Reencontro na Serra Nevada



Quando chegaste, trazias a roupa molhada e alguns flocos de neve ainda por derreter, no cabelo.

Nada perguntei.

Puxei um banquinho para o pé da lareira e disse "senta-te." Depois, fui buscar uma toalha e acabei de te secar o cabelo negro e luzidio. Apeteceu-me roçar nele o meu rosto, beijá-lo, descer um pouco a minha boca e beijar também os teus olhos fechados.

De seguida, se as tuas pálpebras continuassem cerradas, os meus lábios desceriam até aos teus, e neles selariam um gesto de amor, num beijo doce e interminável.

Mas olhaste-me, de frente, no espelho sobre a lareira, e fiquei sem jeito. Perguntei-te se a neve estava boa para esquiar, se a prova te tinha corrido bem, se tinhas ganho algum prémio.

Sorriste e disseste: "não... faltavas lá tu." Puxaste-me para ti e disseste "ainda não acreditas que és o grande amor da minha vida!?"

Eu consegui libertar-me, a contragosto, com movimentos suaves, acreditando, no entanto, nas tuas palavras porque, da mesma forma, tu eras o homem que eu mais tinha amado, por quem tinha sentido emoções mais fortes e profundas de entre os que conheci - a pessoa que em mim tinha despertado sensações mais arrebatadoras e inolvidáveis e por quem mais sofri quando decidimos que tudo tinha terminado.

E agora? O que fazer? Voltar atrás era impensável! Como dizia Heraclito "Ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas de um rio".

Sorriste-me longamente e olhaste-me nos olhos. Por fim, beijaste-me na testa e murmuraste "Até sempre".


Saíste a porta e seguiste pelo carreiro recentemente limpo da neve. Fiquei a observar-te até mais não ser visível de ti senão um pontinho minúsculo no horizonte. Lágrimas frias rolavam-me pelas faces quentes. Não sei se assim era, mas gostei de pensar que, no vulto de gente que eras, lá ao longe, rolavam lágrimas quentes pelas tuas faces geladas.

12 comentários:

Maria disse...

Podemos correr margem abaixo, muito depressa, para nos banharmos (tentar) na mesma água...
:)))
Lindíssimo!

Beijos, também à senhora tua mãe

Justine disse...

Bem temperado de melancolia, tão bem desenhado como uma filigrana, o teu texto deixa-me no peito ecos de nostalgia de algo já vivo.
Muito, muito belo.

Graça Pires disse...

Um belo conto. Até eu senti o quente da lareira e das lágrimas. Um beijo Maria.

dona tela disse...

Muito bonito. Que romântico. Muito obrigada.

Isabel José António disse...

Querida Amiga,

Muito bonito este pequeno conto. Pleno de imensas "leituras". Daria "pano para mangas e aqui trata-se apenas de um blogue. Muitos parabéns.

Também já nos pode visitar.

Desejo-lhe um ano de 2009 cheio de realizações boas e inesquecíveis, com muita saúde.

José António

Carla Ribeiro disse...

Belíssimo texto, de facto, mágico e enternecedor.

Anónimo disse...

Um texto lindíssimo que nos faz recordar despedidas que não se deveriam ter dado. Como são tristes essas despedidas!

Colibri disse...

Cara amiga,

"Ninguém se banha duas vezes nas mesmas águas de um rio", mas também verdade que uma pessoa se banha várias vezes no meu rio não é? Ou seja, o rio é a pessoa e as águas são tempo/circunstâncias...

Mas as decisões são baseadas nas nossas avaliações pessoas e não nas metáforas, não é?

Foi só uma pequena reflexão, para deixar de seguida um beijinho,

Colibri
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Os meus últimos sentires…
Eis-me aqui: Testemunho dramático…
Colibrir as Emoções: A filha da onça…
Traços de Angola: Parte 11 - Fotos do Lobito (Parte I)…
Corais dos Recifes: Camarões ornamentais…

Anónimo disse...

Talvez a dor exista para temperar as almas, que gélidas se aquecem desta liberdade que é desnudar tudo que usaria máscara se o frio não tivesse vindo ao nosso encontro.
É a neve que ensina ao coração o calor.

Parabéns à Maria por este momento delicioso.

Alberto Pereira

Duma disse...

Olá Maria,
Muito obrigada por visitar e seguir o meu blog, assim como por deixar as suas amáveis palavras nalgumas imagens.
Adorei este pequeno conto... imaginei e senti uma série de pormenores, imagens e sensações!
Obrigada por partilhar estas emoções!
Beijinhos
Duma

Isabel José António disse...

Querida Amiga,

Já temos saudades de a ver nos nossos cantinhos! Excelente pequeno conto, tão gráfico e nostálgico.
Parabéns,

Isabel

Anónimo disse...

seremos sempre a construção, que só pode ser orgulhosa, do que fomos empilhando ao longo da vida.

as despedidas,... bom, caramba, gaita e arre, se não eram de fogo as lágrimas que imaginaste quente e que vincaram e marcaram aquele rosto para o resto da vida.

no teu conto, digo. concerteza.