quinta-feira, março 10, 2011

"Mil nomes, um rosto" ou "Confidências de um esquizofrénico"



Tenho tantos nomes que já lhes perdi a conta.
Sei que já fui Luís, Manuel, Diogo, José, Francisco e até Joaquim.
Também fui Julieta, Margarida, Leonor, Isabel e talvez mesmo Idalina.
Posso ser muito mais gente, com outros nomes, outras vidas, noutros lugares.
Consigo falar qualquer língua, ter vindo de qualquer sítio, estar de partida para onde quiser.

E, no entanto, sou sempre eu.
Este rosto que vejo ao espelho, este corpo que me enclausura, esta âncora que sou incapaz de soltar.

Por vezes, sento-me no alto de um penhasco, à beira-mar.
Despeço-me do dia que finda e da persona que me habitou.
Uma dor aguda oprime-me o peito, seca-se-me a garganta e a respiração torna-se penosa.
Quase sufoco, enquanto uma lágrima, que não seguro, me queima a face.
Sei agora (sempre soube) que  sinto saudades de quem parte. Temo que não regresse.

Tenho medo de ficar a sós comigo.
Afinal, eu sou só eu. E isso é muito pouco.

Volto a encontrar-me no reflexo deste rosto, na prisão deste corpo, que me transporta.
Adensa-se o receio de jamais conseguir içar a âncora.

7 comentários:

Graça Pires disse...

De repente deixei de ser eu para ser essas tantas pessoas que te habitam...
Adorei o poema que é belíssimo!
Um grande beijo.

juliammarques@gmail.com disse...

Adorei, é lindo!
Beijos grandes.

Graça disse...

Maria, que bom teres colocado este link para o teu blogue. Não o conhecia... e já fui adorando!

O texto já tinha lido no FB. Gosto do que escreves e como escreves...

Beijo de boa noite.

Justine disse...

Na multiplicidade das nossas personas, a unidade dos nossos medos e também das nossas esperanças.
Texto muíssimo interessante:))
(Bom ter-te encontrado...)

Mel de Carvalho disse...

"Tantas vidas, tantos mestres"...
Maria, quantos fomos, ou seremos?
De quantas rotas se faz uma viagem circunvagante em torno das nossas asas? De quantas memórias se esboça a gota de água que nos roça a alma e escorre a face pálida?
Igual à que me toma na pergunta que me faço sobre quem sou e que, no retorno, boomerang, apenas me solta a fala no talhe da península que me insula...
"Volto a encontrar-me no reflexo deste rosto, na prisão deste corpo, que me transporta.
Adensa-se o receio de jamais conseguir içar a âncora."

tão belo querida Maria...

beijo da ilha, na fala angular de um istmo que, separando, nos aproxima...

Mel

PS: passei o Carnaval ai... e, passeando na ilha, desejei encontrá-la. não aconteceu. fica o abraço

Álvaro Lins disse...

Vou voltar. Gostei.

Anónimo disse...

Tantos somos tantas vezes "todos os nomes", em sítios diversos. Belíssima foto do António, a acompanhar as palavras simples de um sentir perdido.

Peniche, a zona de saudade há que anos! Perdi-me também desse lugar.

Bjs Maria, até um sempre que nos cruze
da bettips