segunda-feira, março 19, 2012

19 DE MARÇO... E O PAI?



Era o primeiro Dia do Pai desde que o seu havia partido para sempre.
Na escola, há alguns dias que, sob orientações da professora, meninas e meninos tinham dado asas à sua criatividade e preparavam, com determinação e carinho, o presente que iria pintar um imenso sorriso no rosto do seu progenitor. 
Durante quase um dia inteiro, Duarte não conseguiu por mãos à obra, indeciso relativamente à posição a tomar perante a inexistência do pai vivo, mas igualmente incapaz de enfrentar, perante amigos e professora, a dura e cruel realidade da sua morte prematura, que nele havia deixado um estigma, uma cicatriz a ferro e fogo marcada.
Por fim, sem o entusiasmo radiante dos colegas, mas sem, por outro lado, dar mostras de contrariedade, o menino foi dando forma ao seu presente: numa cartolina vermelha tinha desenhado uma gravata. Depois, tinha-a recortado e, no suposto lugar do nó, tinha colado uma pequena moldura redonda, dentro da qual estava uma fotografia sua, recentemente tirada pelo fotógrafo da escola com esse mesmo propósito. Como remate, uma argolinha metálica permitia que pudesse ser pendurado num minúsculo prego, em qualquer parede.
Estava feito, portanto!
Chegado a casa, deu um apressado beijo no rosto da mãe e correu a refugiar-se no quarto, onde permaneceu num silêncio pouco habitual.
No quarto ao lado, a irmã estudava e, também ela particularmente taciturna nesse dia, secretamente entregue ao seu habitual sentimento de saudade, não deu mostras de ter notado que o irmãozinho mais novo tinha regressado da escola.
A mãe, atarefada com o jantar, não saiu da cozinha para tentar perceber a razão de tamanha urgência em passar despercebido.
Volvida uma meia hora, Duarte percorreu, pé ante pé, o corredor. Entrou na cozinha e, sem uma palavra, postou-se ao lado da mãe, que se encontrava perdida entre as folhas de couve e as lágrimas provocadas pela severa acidez de uma cebola, semidescascada.
Ao aperceber-se da sua silenciosa presença, a mãe olhou para Duarte. Viu o braço completamente estendido na sua direção e, na palma da mão, um embrulho com um laço.
Não percebeu imediatamente. Perguntou: “o que é isso?”.
Duarte encolheu os ombros, com um sorriso triste, e esticou ainda mais o braço, como que a dizer: “abre e não perguntes mais nada”.
A mãe secou as mãos, pegou no embrulho e abriu-o, intrigada. Ao ver o presente, deu graças por não estar a descascar uma cenoura, uma batata, ou mesmo um alho francês. Baixou-se e abraçou Duarte, murmurando “obrigada, querido filho, é lindo”. Fungou e limpou a face da criança, sorrindo, enquanto refilava “estas cebolas são mesmo agressivas. Da próxima, não trago das roxas”.
Deu a mão a Duarte e dirigiu-se ao quarto onde, na porta, uma pequena placa continuava a indicar “Quarto dos Pais”. Disse-lhe: “vamos já pendurar a tua fotografia. Estás tão bonito!". De seguida, chamou: "Mariana, anda ver o trabalho lindo que o mano trouxe."
Notou apenas para consigo que, desta vez, o presente não se tinha feito acompanhar do cartão que, invariavelmente, ostentava a frase: “Para o melhor Pai do Mundo”.


Imagem: web



1 comentário:

joana disse...

Ainda não saem. As palavras. Apenas um olhar turvo... e a garganta seca.

Beijinho, Maria.