Pensou que queria ir ao Instituto Italiano de Cultura. Falar com o Sr. Tabucchi, é claro. Vê-lo. Perguntar por ele, para ver se ele existia e, existindo, se era mesmo uma pessoa.
Imaginou, com detalhe, o percurso. Olhou demoradamente a fachada do edifício e, quando entrou, notou que as pernas lhe tremiam um pouco.
Dirigiu-se à Biblioteca, por falta de à-vontade para enfrentar o objectivo da visita. Aproveitou para dar uma olhadela, procurando, inevitavelmente, a prateleira do Tabucchi. Estavam lá quase todos. Em italiano, bem se vê.
Retirou um, não importa qual, pode ter sido um dos primeiros que lera “Donna di Porto Pim” ou “I Volatili del Beato Angelico”.
Folheou-o e, ao fazê-lo, deu-se conta de que uma onda de emoção a percorria.
Sentiu uma intensa afinidade erótica com as palavras que, pela primeira vez, lhe apareciam como originalmente escritas: nunca estivera tão próxima de Tabucchi e essa quase intimidade apresentava-se como comovente e excitante.
“Vou procurar o António”, pensou. E imediatamente estranhou aquele tratamento pelo primeiro nome, que a fazia estremecer como se se encontrasse na presença do próprio.
Saíu da Biblioteca e subiu a escadaria que levava aos Gabinetes da Direcção do Instituto.
Ao longo de um corredor, várias portas fechadas, com tabuletas que ostentavam, invariavelmente, nomes italianos.
“O do Presidente deve ser o último”, concluíu depois de ter passado uns seis gabinetes.
Entrou na última porta, curiosamente aberta e sem tabuleta.
Deparou com uma senhora dos seus cinquenta anos, de cabelos grisalhos apanhados em carrapito que, literalmente, “batia” em teclas de uma antiquada máquina de escrever eléctrica.
“Boa tarde”, disse, possuída de um intenso nervosismo. “Queria falar com o Sr. Tabucchi”.
Aqui, a imaginação deteve-se, abruptamente. Por mais que tentasse, não conseguia passar do olhar impenetrável da senhora do carrapito grisalho para o hipotético encontro com um dos autores que muito amava.
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Estava um dia cinzento, com uma chuvinha aborrecida e desconfortante. Ainda assim, saíu sem levar guarda-chuva.
Esperou que passasse um táxi vazio e lá foi, rumo à Rua do Salitre.
Quando desceu do carro e olhou o edifício cor-de-rosa sentiu que, no seu devaneio, não tinha andado muito longe do que via.
Entrou e dirigiu-se à Biblioteca. Era uma sala decepcionantemente pequena, com estantes com portas de vidro fechadas à chave.
Percorreu as prateleiras até encontrar os livros do Tabucchi.
Eram escassos e o vidro interpunha-se entre a sua mão e o objecto desejado.
“Dá-me ganas de ir embora” disse, em voz alta.
“Em que posso ajudá-la?” perguntou uma rapariga franzina que acabara de entrar na Biblioteca e teria, certamente, ouvido o seu desabafo.
“Queria saber como é que faço para ter acesso aos livros”, murmurou, sentindo um incómodo rubor nas faces.
“É aluna?”
“Não”.
“Então terá que se fazer sócia dos “Amigos do Instituto”. Com isso, receberá convites para os eventos culturais e poderá requisitar livros de ficção”.
Havia uma secura e um desembaraço no tom da rapariga que intimidavam, mais do que convidavam.
Enquanto preenchia a papelada, ganhou coragem e perguntou.
“Quem é o Vosso Director?”
“Agora não temos.” A rapariga encolheu os ombros e prosseguiu: “Quer dizer, temos um interino, mas estamos à espera que nomeiem o novo.”
“A medo, avançou: “O Sr. Tabucchi já cá não está?”
“Não, depois dele já tivemos três.”
Feitas as assinaturas e as contas, voltou à Biblioteca.
Que desilusão! E ainda por cima teria que pedir àquela embirrante miúda franzina que fizesse o favor de abrir as portas de vidro da estante para tirar “Il filo del’orizonte”. A esta hora, a rapariga já teria decerto imaginado que ela nutria uma secreta paixão por Tabucchi e suportar o seu olhar irónico seria confrangedor.
Antes de abandonar o Instituto ainda subiu a escada, que levava a uma sala de leitura e às salas de aula. Ao descer, parou a meio da escada, onde dois espelhos exactamente paralelos mostravam o infinito.
“Que se dane!” pensou. “Um dia destes vou a Itália e compro todos os livros dele em italiano. Depois, vou procurá-lo na Universidade. Para ver se existe e, existindo, se é mesmo uma pessoa.”
Começou a imaginar, com detalhe, o percurso...
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