sexta-feira, dezembro 16, 2005

Tempus fugit

(memorial em forma de carta dirigida a um amor feliz)

“Que o tempo, carrasco implacável, saiba ser, simultaneamente, guardião das memórias de amores felizes.
...O resto é o tempo a fugir...”

Foi assim, com esta frase carregada de mágoa e angústia, que me despedi.
Imagino que, para quem parte, seja difícil entender o que deixou no espírito de quem fica e que, por vezes, até se exaspere com as demonstrações de sofrimento, de perda, de saudade por parte do outro...
Ainda assim, consciente de poder estar a aborrecer-te, não consigo deixar de te dizer o que me dói a tua ausência, o que daria para te ter de volta, com um amor feliz, como o das memórias que preservo.
Não vou coibir-me de te dizer o quanto choro, todos os dias, amargamente, porque não te tenho mais comigo e porque não há esperança de, alguma vez, voltar a ter. Sinto uma tristeza sem precedentes. A falta da tua presença dói-me muito, desde que acordo até que adormeço (e até a dormir) mas, principalmente, quando deambulo pela casa e tudo me fala de ti, de nós.
(No liceu, em Psicologia, lembro-me de ter registado como verdade incontestável a afirmação de um “sábio”, de quem nem sequer retive o nome, porque isso era de somenos importância. O que me interessou, a ponto de o interiorizar e ainda hoje recordar, foi a lei absoluta que ele, algum dia, ditou: “só se esquece o que se substitui”. Pois eu agora digo: "nunca se esquece, e não há substituições." Em termos de afectos, é possível amar outras pessoas, que podem até vir a ocupar um lugar semelhante nas nossas vidas, mas nunca substituirão as que amámos. Neste caso, sou peremptória: "ninguém é substituível"!)
Coincidentemente, ou não, li esta semana um artigo num jornal, que falava de como o sofrimento por amor tinha passado de moda, tendo visto o seu lugar destronado, nesta sociedade racional e materialista, por um outro sentimento que procura ser definido através de expressões como “depressão” provocada pelo “fim de uma relação”.
Tudo isto porque as pessoas passaram a ter vergonha de assumir a sua fragilidade perante a dor causada pela perda. Que falta de "tomates" a de quem pensa assim!... Não é porra nenhuma de depressão associada ao fim da relação, é mesmo desgosto de amor, como os de Camilo ou de Florbela Espanca!

O mais doloroso de tudo, amor da minha vida, é ter acreditado que era possível viver assim, para sempre, um grande amor na vida, em que se dá e se recebe tudo (os célebres 100% em que me ensinaste a acreditar) e depois, de um dia para o outro, acontecem coisas mais (ou menos) importantes na nossa pobre vidinha, como uma dificuldade profissional, uma verdadeira preocupação com os filhos, ou uma alegria, e não há com quem partilhar - só porque não faz qualquer sentido partilhá-lo com mais ninguém - e somos obrigados a aceitar o que sempre soubemos: nada é eterno!
Uma confidência tonta: quando, há dias, soube que ia ser promovida senti-me, momentaneamente, tão contente, que o meu coração pulsou mais forte, a ponto de quase o ouvir. Isto durou os segundos em que eu, maquinalmente, peguei no telefone para comentar contigo (com quem mais poderia ser?) a novidade. Ainda o número não tinha acabado de ser marcado quando caí na realidade e desliguei. Chorei. De uma infinita tristeza. Sozinha, no meu gabinete. Por não poder celebrar contigo uma coisa tão simples e tão sem importância, mas que teria sido tão bonita se tu ainda estivesses ao meu lado, do outro lado da linha!!!
Perdoa-me, e tenta entender, se te for possível neste momento, que não se trata de exagero dramático. São sentimentos de desespero. É mesmo dor. Quando se ama com esta força e entrega total, como eu descobri que te amo, não é fácil fazer o luto. Sofre-se a sério. Sofre-se muito. E demora a passar...sejam quais forem as aparências, conseguidas através daquela força interior que nos ajuda a enfrentar os outros de cabeça levantada e olhos secos (só se chora na casa-de-banho, não é?)
Gostaria de te fazer um pedido: guarda contigo, se puderes, este escrito para, (quem sabe?) num dia de sol, o releres e, por milagre, aflorarem à tua memória, para recordar com carinho, as lembranças de um amor feliz.


7 comentários:

Anónimo disse...

Não chorei ao ler este pedaço de dor, porque meus olhos já secaram.
Força...

Maria Carvalhosa disse...

Obrigada, e. Um abraço.

Anónimo disse...

Leio e sinto um sentimento sofrido que, espero, tenha passado ou, quem sabe, seja divulgado agora o que foi escrito quando o sofrimento já passou...
Seja como for, o sofrimento por amor pode ser ultrapassado mas não esquecido. Caso contrário, o amor não foi amor mas outra coisa qualquer.
E nada substitui o AMOR nem ninguém vive sem AMOR o sentimento mais NOBRE dos sentimentos.

Maria Carvalhosa disse...

Amiga Ana Tavares,
Uma vez mais o sentimento de partilha anterior à leitura e comentário a este texto. A tal cumplicidade antiga. Não me engano, pois não?
Beijinhos.

Anónimo disse...

Não te enganas.
Aliás não precisamos olhar com os olhos, sentimo-nos... sempre foi assim, acho que assim será.

Hata_ mãe - até que a minha morte nos separe Hugo ! disse...

Maria
Ja tinha lido e relido, percebe-se o muito que sofreu, o amor intenso que viveu...eu respeito muito...muito mesmo.
Mas custa-me tanto dizer-lhe que perder um filho é diferente...e mais diferente de tudo...é perder um filho que chamou a mãe nessa noite, e chamou-a nessa manhã duas vezes ao telefone...mas a mãe estava adormecida...respondeu 24 minutos depois...já não foi a tempo.
Um abraço minha querida

Mónica disse...

Olá, é sem dúvida uma pura e bela demonstração do amor que jamais findará dentro desse lindo coração.

Concordo, ninguém poderá ocupar no nosso coração um lugar já ocupado por alguém.

Mas a vida continua e nós não estamos sozinhos, nem sempre a ausência de presença fisica significa que estámos sós.

Estamos sempre acompanhados por aqueles que amamos, porque esses estão sempre no nosso coração.

Beijinhos grandes

Força e o lema é lutar

:)