As técnicas mudam, ao sabor das tecnologias da moda que lhes podem servir de veículo, alterando assim a forma, mas o conteúdo... esse permanece igual ao longo dos séculos.
Mariana recebeu um SMS e encostou o carro à direita para poder lê-lo. Já tinha anoitecido e, naquela rua das traseiras de uma zona industrial, praticamente não havia trânsito.
Identificou o emissor e sorriu. Depois, à medida que foi lendo o texto, foi ficando mais e mais surpreendida: ora não querem lá ver que o "puto" João lhe tinha enviado nada mais que a "Cantigua partindo-se" de João Roiz de Castell-Branco, sem a falha de uma palavra ou de uma vírgula sequer.
Mas por que raio? perguntava-se, quando do seu lado esquerdo, exactamente ao lado da janela, parou uma moto. O condutor tirou o capacete e surgiu o rosto esperado. Era mesmo o "puto" João.
Mariana abriu o vidro e, com riso nas palavras, perguntou, "mas afinal o que é que te deu? de ti, poderia esperar muitas brincadeiras, mas não esta".
"Não se trata de uma brincadeira", retorquiu João com ar sério. "Mau... já chega!" disse Mariana.
"É precisamente porque nunca nada chega para ti que decidi enviar-te esse SMS. Pelo menos, fez-te parar e pensar em mim por uns momentos. Mas quero mais. Quero conversar contigo. Se soubesses o que tenho para te dizer!!! Sim... posso começar por te falar da poesia portuguesa dos Sécs. XV e XVI e seguir por aí fora e nunca mais parar, até que tu queiras falar comigo". Fez um silêncio e depois continuou, num tom um pouco mais baixo e intimista "até que queiras estar comigo".
Mariana parecia ter emudecido de espanto. Não conseguiu articular palavra nem João descortinou o vislumbre de qualquer expressão indicativa do efeito que aquela sua abordagem estava a provocar na mulher madura que, sentada ao volante, tinha adquirido um ar de escultura de cera.
Na ausência de estímulo para continuar, mas igualmente de qualquer travão, João prosseguiu "estava a pensar convidar-te para jantar... hoje. Parece-te razoável?"
Mariana, finalmente, deu mostras de estar consciente, acenando a cabeça em sinal afirmativo. Ainda não se atrevia a soltar a voz, com receio de que o som emitido pela mesma traísse, de alguma forma, o que lhe ía no espírito.
"Então segue-me", ordenou João, confiante e tentando ocultar um sorriso de triunfo. "Vou levar-te a um restaurante brasileiro fantástico, ali à beira-mar. Para além de comida divina têm música ao vivo, para embalar a conversa de quem os visita. Vais gostar, tenho a certeza."
E lá foram, Mariana seguindo a moto, com uma súbita falta de forças e uma incontrolável tremura, um pouco por todo o corpo. O coração apertado e pequenino: à espera, quem sabe, de grandes emoções.
O que se passou depois fica com eles. Para sempre... atrever-me-ia a afirmar.
14 comentários:
Dá para pensar, qual seria o final...
Narrativa aberta, minha flor. O final fica por conta da tua imaginação.
Bjo.
Fiquei seduzido por este método...
tb me deixaria seduzir, por certo...
na época não havia SMS nem mails nem web, mera correspondencia que ligava extremos de Portugal, com poemas de J Prévert lá dentro...
beijinhos
Um beijo
de saudades... bom fim de semana
Tens razão, Maria. Não há nada como um bonito poema para chegar ao coração das mulheres.
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Vocês, mulheres, sabem muito mais das técnicas de sedução do que nós.
Nós não passamos de uns palermas, convencidos de que seduzimos quando são vocês, malvadas, sempre quem seduz.
Um abraço muito amigo.
Rasgou-se-me um sorriso nos lábios e um arrepio assomou à superfície da minha pele para vir ler o que escreveu a tua memória.
as loucuras doces de um tempo que nunca vai passar estarão sempre tão presentes na tua, como na minha memória.
alguém perguntava o que se passou depois: caramba, como se alguém pudesse explicar. foi uma história inacreditável de viver e sentir e sentir e mais sentir até pensar que não se podia mais de tantas coisas boas.
um sonho de poetas que foi feito vida.
e começou assim, há 12 anos atrás, num tempo improvável e incerto:
Senhora partem tão tristes,
meus olhos por vós meu bem...
Ainda me consigo lembrar da surpresa de quem escrevia enquanto tentava adivinhar a reacção de quem receberia.
O tempo não pára, para quem não se rege pelo deslizar das contas dos ponteiros.
o puto ficou quase na mesma, com a mesma sede, talvez apenas com um pouco mais de tranquilidade nos olhos.
um beijo. lembras-te?
Obrigada, amigos Ikivuku, Greentea, Hatamãe e Francisco.
Beijos.
Depois do depoimento do "joão", ele próprio, seguramente, fico sem mais palavras.
Apenas te quero confirmar, "puto João" que nunca faria parte dos factos plausíveis, ou sequer verosímeis, se a "madura Mariana" esquecesse o beijo.
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Mulheres sabem seduzir, mas os homens... esses sabem conquistar!
vero... the only one!!! :)
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