terça-feira, agosto 21, 2007

Dimensões


Post publicado (com diferenças mínimas, que ninguém se dará ao trabalho de procurar) no meu blogue A Palavra e a Imagem, em 01/08/07 - como está para lá esquecido, à míngua de visitantes, resolvi trazê-lo até aqui... talvez tenha melhor sorte!... :)
Em tempo de férias dá para fazer experiências e brincadeiras, com propósitos verdadeiramente inocentes, na languidez do "dolce fare niente" e o usufruto desse bem maior que se obtém em troca do que se dá nos restantes onze meses - descanso vs trabalho.
A dimensão, seja do que for, é tão relativa quanto o tempo e o espaço. Levo meia-hora a caminhar pela baía, desde as Portas de Peniche ao Baleal, sempre pela areia, e percorro uma distância de 4 Kms. E daí? Fico meia-hora mais velha, logo com menos meia-hora de vida, mas, ainda que não tivesse percorrido aquele espaço, a meia-hora ter-se-ia gasto, e restar-me-ia, da mesma forma, menos meia-hora de vida. Ou será que ganhei meia-hora de vida pelo facto de ter percorrido a baía em vez de ter ficado estiraçada ao sol?


Pequenas questões as minhas, e, no entanto, tantas dúvidas, tantas respostas que os físicos e os matemáticos procuram, essas, sim, a ter em conta, mas também os gnósticos e os ascetas, de um modo diferente, com base nas antigas religiões e no que as respectivas doutrinas defendem e profetizam, e afinal, imagine-se, acabam por se encontrar todos na inenarrável Teoria de Tudo. E não é que o big bang e o big crunch e a segunda lei da termodinâmica dos cientistas nos levam exactamente aos mesmos pontos de partida e de chegada que o judaísmo, o islão, o hinduísmo, o budismo, o taoísmo?

Agora pergunto eu, o que fazemos nós aqui? Por que razão existimos? E se não existíssemos, se não passássemos de figuras imaginadas, sonhadas por Ele, o Senhor do Universo, farto de estar só nesta imensidão que, provavelmente, será infinita. Ou não. E se Ele anseia pela morte, pelo descanso ao qual poderá nunca ter direito? Somos completamente incompetentes para o ajudar. Nós, que nem sabemos quem somos, nem se foi Ele que nos inventou, para se distraír... e se Ele também não existe? O que é esta história? Uma farsa, uma tragicomédia inventada por quem nunca passou de um mito... e, no entanto, o Universo está aí, com todas as estrelas, nebulosas, planetas, cometas e galáxias em contínuo movimento... ou será que tudo não passa de uma ilusão? Mas ilusão porquê, para quê e para quem? E se o Princípio da Incerteza for a porta para a Teoria de Nada?

"Raios partam a vida e quem lá anda", dizia Álvaro de Campos, isto partindo do princípio que houve um Álvaro de Campos, apesar de, como todos sabemos, mais não ter sido que um dos heterónimos de um outro ser mais complexo que o criou, esse poeta de excepção a quem chamamos Fernando Pessoa, mas a quem poderíamos, por absurdo, chamar deus. Seremos todos nós pequenos deuses que inventamos o mundo à nossa imagem, de acordo com a criatividade e vontade de cada um?
Ná... os cientistas não vão nessa, e os teólogos também não.

O que eu sei, neste momento, é que a minha gata ocupa o espaço (quentinho) em cima do meu computador. Eu vejo isso e quero acreditar (porque preciso de acreditar nalguma coisa) que as dimensões são uma realidade, tal como o espaço que ocupam e o tempo que qualquer objecto demora a deslocar-se de um local para outro (ou será que pode estar em vários locais ao mesmo tempo, dependendo apenas da presença de um observador que comprove que ele existe, naquele sítio e momento, porque ele o vê, naquele exacto local, naquele preciso instante?)
Sabemos tão pouco de tudo. Por vezes, gostaria de ser como os que se contentam com o que têm, o que conhecem, o que julgam saber, e não se preocupam com os porquês. Tiveram, certamente, a idade dos porquês lá para os quatro ou cinco anos e ficaram satisfeitos com as respostas. Vivem felizes assim. (A minha idade dos porquês deverá durar os meus anos de vida e, apesar de tudo, não acredito no que acabei de afirmar, ou seja, que aqueles que a ultrapassaram na infância, vivam hoje felizes e contentes. Apenas se acomodaram a fazer de conta que sim!...).

12 comentários:

Maria disse...

Minha querida Maria

Pois se nem no teu perfil tens o novo blogue.... só se fosse mesmo por acaso...
Gostei do teu texto. Não deixo de registar que, quando te referes ao senhor do Universo, escreves Ele, com E maiúsculo....
Quer dizer alguma coisa? Não é mau acreditar, nem é mau não acreditar. Eu incluo-me no último grupo...

Beijinhos, Maria

Rosa dos Ventos disse...

Estava a pensar que te tinhas perdido nas brumas da ilha!

Vou citar Eugénio de Castro:

"Procuremos somente a beleza, que a vida
É um punhado infantil de areia ressequida,
Um som de água ou de bronze e uma sombra que passa..."
Abraço

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

Está na hora de falar, já que calado muito tenho andado. Não que me tenha auto-imposto qualquer disciplina monástica de mutismo, ou que me tenham cortado o pio, não. Ando tão só a chapinhar nas águas deste país e concedo-me uma janela de Internet nas noites de terça para quarta. E é quanto basta.

Primeiro convém, para que cortesia haja e seja bem utilizada, agradecer-te as tuas últimas, afectivas e sempre correctas, palavras. O meu sítio e os meus azulejos envaidecem-me, sabendo o trabalho acumulado e sabendo que isto não fica por aqui: realmente o caminho faz-se caminhando. Já em várias ocasiões confirmei que és senhora de uma perspicácia a todos os títulos (passe o lugar comum) notável e, assim, reconheço-te a razão: é que não sou mesmo nada dado a lamechices.

Secundo. Estou baralhado com os teus novos sites. Estás a fazer uma migração do Blogspot para o Sapo? Estás a usar o Sapo como backup? Estás num processo pessoano de heteronomização? Queres conduzir a tua charrette puxada por três alazões? Explica-te, por favor; não me deixes desorientado ou com sobrecarga de trabalho para te ler.

Comentando o teu artigo, mas ousando divergir (não se trata de fazer inversão de marcha mas apenas trazer novas versões aos temas que convocaste para a nossa conversa):

1. Como vejo a questão de ser mais velho.
No linguarejar anglo-saxónico o “infant” passa a “child” quando é “dois anos velho” e com uns anos de velhice a mais torna-se “adolescent”. Segundo este ponto de vista é-se sempre velho e a velhice é apenas a medida do passar do tempo tendo por origem o momento do nascimento. Sabemos que há outras velhices como, por exemplo, a dos trapos – chamemos-lhe apenas “obsolescência”! Há também a decrepitude provocada pela degenerescência biológica e cerebral: canalizações entupidas, insuficiência da bomba ou dos filtros, incapacidade de auto-regeneração dos materiais construtivos, eu sei lá: um mar oceano de vicissitudes! A confusão estabelece-se na nossa língua, pois os latinos sabiam discernir o “vetus” (velho por acção da idade) do “senex” (velho por acção do desgaste). Velhice e senilidade consorciaram-se vilmente para pôr ou tirar da prateleira os mais idosos ao sabor dos interesses da nossa actual sociedade mercantil. É, assim, ponto de discordância (para mim) que mais meia hora de vida seja menos meia hora de vida. Não está provado que a morte resulte da usura do tempo. Mas está provado que a morte resulta do uso (e acelera-se com o mau uso) do corpo. Portanto, sempre que caminhares meia hora, ganhaste essa meia hora à morte e essa meia hora ninguém ta tira. É certo que estás meia hora mais velha. Mas não é seguro que estejas meia hora mais velha. Estarias, se tivesses ficado na areia a panhonhar. Adiante…

2. Meter religião e ciência ao barulho dá sempre mau resultado. Deixa-as seguir cada uma o seu caminho e reza para que nunca se encontrem. Eu prezo a ciência como método para obter conhecimento de uma forma controlada. Gosto mais da ciência dos pequenos passos do que das grandes tiradas dos cientistas, por muito génios e loucos que eles sejam. Gosto mais da ciência como processo histórico, colectivo e profissionalizado do que das teorias e dos dogmas científicos. A verdadeira ciência revê-se todos os dias e desconfia das “verdades”. A religião também a prezo, como sentimento popular decantado ao longo de milénios face ao mistério da natureza e da existência humana. Que nada tem a ver com igrejas e seitas, que se aproveitam da religião para controlar as mentes e os comportamentos dos fiéis com a sua teologia, os seus dogmas, a sua moral, os seus sacramentos e as suas liturgias. A verdadeira religião abomina o proselitismo e desconfia das “verdades reveladas”.

3. A questão do grande Ele. Costumo separar a questão do ateísmo das questões religiosas. Vou tentar explicar-me com poucas palavras, o que vai ser quase impossível. A religião tem a ver com o sagrado que é uma dimensão do real, oposta ao profano. O “deus” ou os “deuses”, são coisas que aparecem, se revelam e se questionam na ordem do ser. Emparelham com o meu “rato” que está em cima da minha “secretária”, que também são coisas. As “palavras” que “eu” escrevo no meu “teclado” e que reflectem, mais ou menos, as “ideias” que eu tenho na “cabeça”, tudo isto são coisas. A questão do teísmo coloca historicamente quatro alternativas para explicar a existência e a essência do deus ou dos deuses: politeísmo, ateísmo, monoteísmo e panteísmo. Cada uma delas abre as portas para diversas interpretações, por isso passemos à frente para não complicar. Vou deixar só a minha posição: (a) em termos de monoteísmo sou ateu; (b) em termos de politeísmo sou panteísta - com o panteísmo resumo a diversidade dos deuses na unidade da natureza (é a porta de passagem para o sagrado!). Que nome chamar ao grande todo, eis a questão. Mas porquê um Ele, se a origem é uterina? Chamo-lhe Gaia, simplesmente.

4. Quanto à identidade de Fernando Pessoa. Fernando é ninguém, persona (literalmente uma máscara que ressoa), mas quem lhe dá vida, lhe dá voz, são os outros figurões, como o Caeiro a que te referiste. Realmente existiu um homem com um bigode ridículo e um chapéu ridículo, meio bebedolas. A única prova da sua existência foi ter escrito a sua própria biografia. Creio que nunca amou. A tua gata, porém, é alguém. E imagino-a um soberbo bicho, anichado nesse teu pré-histórico ecrã que te leva a “acreditar que as dimensões são uma realidade”.

5. A idade dos porquês. Tive um professor que insistentemente nos rogava que nunca fizéssemos perguntas encabeçadas por um “porquê”. Que as endereçássemos para deus, porque ele (professor) era apenas um cientista e só podia responder aos “comos”. Eu acho que ele tinha razão. Quando fui pai pela primeira vez, há mais de três décadas, o meu (mais tarde) sénior perguntou-me um dia: “ó pai, porquê (seguia-se o objecto da pergunta) ….”, e repetiu a pergunta com a mesmíssima estrutura e um diferente objecto, e repetiu-a vezes sem conta. Quando estava já, por certo, bem próximo de esgotar o seu ainda reduzido léxico, hesitou um pouco, acentuou profundamente as rugas da testa e disparou: “Ó pai, porquê … o quê?”. O que o meu filho me pedia era que o ensinasse a perguntar. E, então, percebi, mas acho que percebi de forma concludente e derradeira, que o ser humano tem o vício inato de perguntar os porquês, e que o simples perguntar o satisfaz, sendo a resposta irrelevante. Foi a instância da pergunta, como modo de ser, que me levou a escolher o apelido de “perdido”.

Basta de considerandos. Acho que devo andar a fazer férias muito próximo de ti, o que me faz recordar-te muitas vezes. Descansa bem nos teus passeios.

Um beijo.

Luís disse...

Acredito que os porquês devem ser lançados sem receio. Em todas as idades. Até não haver mais porquês a satisfazer...


Um beijinho e boas férias =)

Bichodeconta disse...

bonito e bem conseguido este seu trabalho, parabéns. Voltarei com mais tempo..Um abraço, ELl

Lúcia Laborda disse...

Belo post, Maria! Mas não conhecia esse endereço do outro blog.
Fique com Deus!
Beijos

Anónimo disse...

Pensava eu que estavas com aquele espírito de férias que é não fazer nada, não pensar em nada, guardar muito mar para o inverno, muito sol para os dias cinzentos que em breve virão, muito ar puro para a poluição da cidade. Nem tinha vindo aqui porque acreditava que nem sequer abrias o computador. Mas não: eis que apareces cheia de dúvidas exitencialistas...É isso, quando se pára dos muitos afazeres do dia a dia é que se tem tempo para pensar e fazer perguntas. Perguntas que nunca terão resposta porque tudo é demasiado complexo. Boa continuação de férias. Espero voltar a ver-te no PPP.

Anónimo disse...

:) Bonito!

bettips disse...

1º a gente perdeu-se a ler-te e a ler o "perdido"
2º desconhecíamos o "trabalho de sapa" no outro blog e estamos habitudas ao creme rosa
3º não temos a certeza de coisa nenhuma e do porquê ainda menos
4º gostamos muito uns dos outros, de alguns de alguns outros, e esses outros também escolhidos a dedo: enfim, isto é difícil a esta hora!!!
Pelo que: tivessemos nós um grupo desportivo ! ah, aí é que era fácil. Ou mesmo um movimento ecuménico, um opus-day que fizesse luz e santificasse todos os nomes... Agora clubes para nos pôr a pensar... Beijinhos de "até que enfim"!

prologo disse...

O meu gato não está em cima do meu écran de computador. Por duas razões: primeiro porque o écran é muito fino para ter um gato em cima e depois porque... não tenho gato...
Mas houve um tempo em que tive um gato e ele gostava de aproveitar o calor que o monitor desperdiçava. Aproveitava esse calor e outras coisas que se desperdiçavam lá em casa, como o lugar vazio no sofá, a nesga de sol que entrava pela janela, os restos de carinho que às vezes não se sabia o que lhes fazer, e aquele riso que estava fechado na garganta e ele sabia como fazer sair.
Uma civilização superior como a egípcia deu aos gatos o estatuto de deuses. Se eu acreditasse em alguma coisa assim transcendente, poderia ser nisso, nessa ligação próxima que os animais conservam com a natureza que os trouxe.
Nós humanos temos dons especiais e damos especial valor ao tempo. Temos pressa muito para além daquela que traz o estômago vazio. Estas palavras que vamos soltando por aqui e por ali são apenas para nos descolarmos da perplexidade com que temos de viver. Gostei de saborear esta tua prosa reveladora.

APC disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
APC disse...

Ganhei tantas palavras por cá, que perdi as minhas; mas muito ganhei com a troca.
O teu texto, que me fez sorrir [chamo "filosofia de domingo à noite" às minhas deambulações sobre mais do mesmo, mas sempre tão inevitáveis, lol] e o comentário do Perdido deixaram-me intrinsecamente risonha.
Curioso é que persigamos razões físicas e espirituais ao mesmo tempo, nas mesmas coisas. É que, se acaso apenas as primeiras existirem, andamos nós e o nosso medo da solidão a cegá-las. mas antes ceguinhos que sozinhos, não é mesmo?...
Agora eu entraria "naquela" da religião como ópio do povo (latu sensu), e tal... e já ninguém me calava e, no final, falara demais para o que dissera.
Por isso digo o que ora me importa: que te deixo um grande abraço! :-)