Foto de António Rodrigues: "Nos teus olhos, sou rio"
Sou rio.
Broto da escarpa rochosa:
ténue fiozinho de água
deslizando pela encosta,
molhando fragas e arbustos
até alcançar o vale
na procura de um riacho.
Irmãos-de-água fundidos
corremos alegremente,
na inocência da infância,
cantando e rumorejando
por sobre as pedras do leito
que nos indica o caminho.
Engrossei o meu caudal,
já tenho curvas e praias.
Rápidos alucinantes,
num rodopio de volúpia,
precipitam-me na queda
em vertiginosa cascata,
numa lagoa serena.
É dali que parto, eufórico,
enriquecido pelas águas
de outros rios solitários
que comigo se reúnem
e num só se consolidam:
imenso, forte, profundo.
Em desassossego e exaltação
o mar agora procuro
para nele, em largo manto,
consumar o meu destino:
confundir os nossos fluidos,
acertar nossas marés.
Sou rio.
(De costas voltadas
para a porta
pressinto a tua chegada:
aproximação doce e suave
que me faz estremecer
em prazer antecipado.
Enlaças-me pela cintura,
teu rosto encostado ao meu cabelo.
Um murmúrio terno e quente
me roça ao de leve o ouvido.
Lábios macios e ardentes
beijam-me a nuca, ansiosa.
Rio que sou, a ti me entrego:
Estuário vigoroso, excessivo, apressado
que o teu mar acolhe em festa.
Sorrio.)
Maria Carvalhosa
(originalmente publicado neste blogue em 21 de Maio de 2008)
1 comentário:
Recordo perfeitamente!
Belo momento de poesia.
Um abraço de carinho
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