quinta-feira, outubro 09, 2008

Mentira


Hieronymus Bosch - O Julgamento Final

A mentira do tempo.
O olhar perdido no espaço,
também ele imaginado.
A fuga enquanto solução temporária.
A mentira da vida.
A vida inteira numa mentira.
A suspeita, a dúvida, a incerteza.
O engano, o medo, a traição.
A ténue linha
que separa o sonho do real.
O pesadelo como real,
sem linha a separá-lo de um real outro.
A falácia da paixão eterna.
A mentira dentro da mentira.
O inferno da vida.
A descrença em algo diferente da vida no inferno.
O desejo, a tentação, o julgamento, o castigo.
A loucura como desculpa
para o inexplicável.
As noites infindáveis e os dias sem sol.
A mentira do amor.
A frase nunca proferida,
mil vezes ouvida,
ecoando, ininterruptamente, na mente transtornada:
"Já não é pra ti que eu corro,
não será por ti que morro".
A mentira da mentira.
Eu...

Margarida Costa in "A Outra"

11 comentários:

Graça Pires disse...

A mentira. A suspeita. O engano. A traição. Faces da mesma mágoa...Como tem razão a autora...
Fantástico o quadro de Bosch.
Um beijo Maria.

Rodrigo Fernandes (ex Rodrigo Rodrigues) disse...

A "outra" em profunda crise metafísica.

Da mentirofísica do tempo e do espaço do mundo das sombras à loucura israelo-sionista da dialética pecado e culpa: "O desejo, a tentação, o julgamento, o castigo."

Não sei, Maria, o que te levou a pôr aí o Bosch. Não sei, não!

Só percebo o final, e isso mais por não o perceber: a reticência egótica.

Maria Carvalhosa disse...

Não precisas de perceber tudo, Perdido. Felizmente que, apesar de perceberes muitas coisas, há outras que, por mais que te esforces, não consegues alcançar. Serão prerrogativas do meu egotismo... possivelmente, onde tu, apesar das tua esforçadas tentativas telepáticas, ainda não obtiveste o privilégio de entrar.
Quanto ao Bosch e à dialéctica culpa/punição, percebo perfeitamente a Margarida. Mas isso sou eu... (e mais uma reticência egótica que, por coincidência, ou não, a Margarida também utiliza nesta "mentira").

Maria Carvalhosa disse...

Querida Graça,
A tua sensibilidade poética leva-te a entender a intenção da autora na sua escrita tresloucada. A lê-la como, provavelmente, deve ser lida: "faces da mesma mágoa".
Beijos.

Maria P. disse...

É sempre um prazer reconfortante receber a tua visita, são palavras como as tuas que "justificam" aquela Casa...

Obrigada, beijinho carinhoso*

Anónimo disse...

Minha querida
Não estou aqui para comentar o que não sei,mas,deixar um beijo de reconhecimento pelo que me escreveste e saber que ainda te inspiro. Obrigada!
Como um dia Picasso disse:
"A arte é uma mentira que nos faz compreender a verdade".
Júlia

jorge esteves disse...

Há muitas mentiras!...
Talvez a mentira do tempo não seja das que mais doem. Há mentiras de mentirosos, vulgares, as mentiras dos que apenas são ávidos de ilusão. Talvez, talvez quem sabe?..., as maiores mentiras sejam ditas por aqueles que acreditam dizer a verdade...

abraços!

Maria Carvalhosa disse...

Sábias palavras as tuas, amigo!
A verdade da mentira, quem pode julgar conhecê-la? E a mentira da verdade... em que recônditos lugares se esconde, sob que inesperadas aparências?

Não se trata, aqui, de meros jogos de palavras, com que nos entretemos a brincar.

Durante toda a vida convivemos com meias-verdades, mentiras intencionais e muitas, muitas verdades que podem vir a revelar-se como mentiras piedosas... (ou não!)

Beijo-te com carinho.

Maria Carvalhosa disse...

Querida Júlia,

A tua arte, a pintura tal como a executas, é um impulsionador activo da minha vontade de escrever. Mal vejo uma das tuas bailarinas, logo me ocorrem palavras, frases, textos, contos... imagino uma vida própria para cada um desses belos corpos de mulher, sempre sem rosto, que retratas, e não tenho sossego enquanto não transponho o que sinto para o papel (ou para o ecrã de um PC, no caso...).

Picasso, como ninguém, sabia do que falava!

Beijo-te com muita ternura.

Maria Carvalhosa disse...

Maria P., minha amiga muito querida,

Obrigada pelas tuas generosas palavras. Voltarei a tua casa muitas e muitas vezes, para assomar às lindas janelas que sempre me ofereces, quando te visito.

Até breve e um beijo com muito carinho.

dona tela disse...

A Dona Maria desculpe, mas esse quadro dá-me aflições. É a minha ignorância, quase de certeza.

Muito boa tarde para a Senhora.