A verdade é que tinha estado, durante demasiado tempo, amarrado a convenções e preconceitos e agora, qual Bela Adormecida acabada de acordar de um sono de cem anos, descobria todo um novo mundo, que se abria perante os seus olhos desmesuradamente abertos, ávidos de novidade, de aventura, de liberdade.
Começou por despedir-se do emprego onde, anos a fio, com um zelo inexplicável, tinha deixado escapar a fogosidade e a irreverência próprias da tenra idade. De seguida, desfez-se da casa, do carro topo de gama e de quase todos os outros bens materiais que o prendiam a lugares, a estatutos, a círculos de pessoas por quem já não sentia qualquer tipo de afinidade.
Comprou, então, uma velha carrinha, onde coubessem os poucos pertences que lhe restavam, mas que tivesse espaço suficiente para algumas pranchas de surf. Pintou, ele próprio, a sua nova casa com as cores de que sempre gostara, e nela fez desenhos quase infantis, com os quais nunca tinha, sequer, ousado sonhar.
Experimentou um sentimento desconhecido, doce e agradável quando, após ter comprado um chapéu de palha, de abas largas, se sentou ao volante do recém-adquirido, mas já amado, "pão de forma".
Deixou para trás a cidade e fez-se à estrada, em direcção à costa, sua futura morada, sem paradeiro certo nem permanente. Ao encetar a viagem, sorriu para o passageiro a seu lado, igualmente satisfeito e ansioso. Acariciando-lhe o sedoso pelo castanho, apenas murmurou em tom carinhoso, mas determinado "Vamos lá, que se faz tarde!"
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