Depois de ter vagueado pela beira-mar durante um bom par de horas, sentou-se no pontão do Molhe Leste, à hora do crepúsculo. Um turbilhão de pensamentos povoava-lhe a cabeça, tornando-lhe impossível concentrar-se num único, que fizesse sentido e se apresentasse como a solução para o seu intrincado problema. Uma questão, em particular, a martirizava: "como iriam reagir os pais?" E logo de seguida surgia outra, igualmente premente: "e o curso, o curso ainda por acabar!?"
Simultaneamente, era-lhe difícil não pensar no Diogo e na inesperada reacção que ele tivera ao tomar conhecimento do assunto. Como era possível nunca se ter apercebido de quanto ele era insensível? Por que razão tinha sempre acreditado que a amava na mesma medida em que ela o fazia e que, juntos, conseguiriam fazer frente ao mundo, em qualquer situação? Tanta ingenuidade!
Não chorava. Não entendia porquê, mas as lágrimas não lhe afloravam aos olhos, que mantinha baixos, perdidos na contemplação do nada, que eram as suas pernas cruzadas sobre o cimento do molhe.
De súbito, precisou de olhar o sol, que começava a esconder-se para lá do mar, na linha do horizonte e, inusitadamente, ocorreu-lhe que estaria a nascer do outro lado do mundo, onde uma qualquer rapariga japonesa, com um nome muito diferente do seu, poderia estar a olhá-lo, naquele preciso momento, e a interrogar-se sobre questões em tudo idênticas às suas.
Sorriu timidamente perante o absurdo da ideia. E depois parou de sorrir. Impôs uma ordem lógica ao seu raciocínio, até aí errante, conseguindo, pela primeira vez naquela tarde, sentir-se confiante, sem receios e quase feliz.
Voltou a olhar para a vastidão do mar, num misto de desafio e cumplicidade para com aquela imensidão, sua única confidente.
Agora sim, estava segura. Havia ainda muitas respostas por dar, muitos caminhos por percorrer, mas de uma coisa tinha a certeza: queria aquele filho acima de tudo no mundo e nada, nem ninguém, com panóplias de argumentos e conselhos mais ou menos avisados, a iria fazer abdicar, sob que pretexto fosse, daquela decisão!
O sol, para a Ana, em Peniche, numa das praias mais ocidentais da Europa, não muito longe de Lisboa, tinha acabado de desaparecer por detrás da massa de água que a sua vista alcançava. Estaria a surgir, seguramente, em toda a sua plenitude, à jovem Natsuki, que o observava em Ichinomiya Chiba, numa das praias mais orientais da Ásia, não muito longe de Tóquio .
Levantou-se, contente por si e pela sua amiga imaginária, que só poderia ter tomado uma decisão igual à sua.
Enquanto caminhava de volta a casa, na semi-obscuridade do ocaso, sentiu que duas lágrimas doces lhe rolavam pelas faces.
Sorriu novamente, desta vez num sorriso aberto, erguendo a cabeça com alegria e determinação.
Sorriu novamente, desta vez num sorriso aberto, erguendo a cabeça com alegria e determinação.
Maria Carvalhosa (inédito)
Foto: "Silhueta", do blogue http://olharesdemaresia.blogspot.pt, de António Rodrigues
Foto: "Silhueta", do blogue http://olharesdemaresia.blogspot.pt, de António Rodrigues
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